Os “custos ocultos” das nossas escolhas alimentares
Após um dia a lecionar uma cadeira de Alimentação Saudável, a falar de escolhas alimentares, decisões de consumo, opções de compra, na gestão da produção alimentar, no regresso dei comigo na frutaria onde há vários anos faço as minhas compras de produtos hortícolas e frutícolas, em particular aqueles que não trago da horta dos meus pais na Maljoga ou das ofertas de amigos que oferecem-me produtos provenientes das suas hortas.
No meu cesto de verga coloquei: maçã de Alcobaça, pera Rocha do Oeste, cenouras do Ribatejo, alho francês do Valado dos Frades, salsa e coentros de Alcobaça, couve Coração de Boi das Várzeas de Leiria, curgetes de estufa do Oeste, cebolas e alhos secos dos quais não registei a proveniência por descuido. Enquanto isso, o meu pensamento vagueava…. Nisto, saltou-me para os olhos uma caixa de apetitosas mangas, de uma cor, textura e cheiro que me fez lembrar aquelas que comi umas quantas vezes no Brasil (manga em terras de Vera Cruz tem outro sabor). Manga de avião, certamente! Pensei de mim para mim. Nisto, olhei o preço, e tal não é o meu espanto quando constatei que as mangas eram provenientes de Espanha e a um simpático preço de 2,5€. Logo refleti: maravilhosa engenharia agroalimentar, tecnologia e sofisticação agrária! Já se pode comer manga produzida na Europa, no país vizinho! A “manga de avião”, chega até nós em pouco mais de 5 dias após a apanha e é mais deliciosa que a “manga de barco”, que permanece várias semanas em contentores refrigerados, com retardadores de amadurecimento e na maioria dos casos quando se corta está negra e fibrosa. Relativamente a esta de Espanha, pensei nos “custos ocultos” daquela aquisição e entendi que teria menor impacto ecológico e social comprar esta manga do que aquelas vindas do Brasil. Trouxe a que me pareceu mais saborosa. E não é que a manga é mesmo boa!? Quem diria, uma manga Mediterrânica! O saudoso Fernando Pessa diria: «E esta, hem?!» Quando fazemos escolhas alimentares, decidimos o que incorporar na nossa dieta, deveríamos pensar nos “custos ocultos”. Os custos ocultos são aqueles que não estão refletidos no preço que pagamos quando adquirimos um determinado alimento. Esses custos relacionam-se com o impacto das nossas decisões ao nível do ambiente, da saúde… são também os custos sociais entre outros de menor expressão, mas não menos importantes. Ao comprar uma manga produzida em Espanha, ou em Portugal (já se produzem 160 toneladas por ano), em princípio estamos a comprar uma manga mais económica, mais próxima do mercado de consumo e, por conseguinte, com menor impacto ambiental. Porém, fico muito inquieto com tudo isto, questionando-me sobre o impacto de produzir um fruto tropical que requer quantidades muito significativas de água, num território que se assemelha cada vez mais aos desertos do Norte de África. E qual será o impacto nos ecossistemas com a introdução de espécies totalmente estranhas a este território? E que impacto terá em termos sanitários, na gestão de pragas e infestantes associadas a estas culturas?
As nossas escolhas alimentares têm um custo, que está muitas vezes além do custo real. Os “custos ocultos” deveriam estar no centro das conversas e negociações da PAC – Política Agrícola Comum da União Europeia, nos planos regionais de desenvolvimento e nas políticas de incentivo dos territórios, em particular do Interior. No fundo, deveriam nortear as discussões dos políticos e dos decisores da agricultura e da agroindústria. Já agora, quantas vezes pensou o leitor no impacto das suas escolhas alimentares sobre os ecossistemas e economia local? Deveremos fazer escolhas mais saudáveis, ecológica e socialmente mais sustentáveis. Vale a pena pensar nisto…
*Rui Lopes