VERDADE! Verdade?
Aventura infinita, horizonte sem fim à vista. A verdade total não se revelava e fazer “marcha à ré” já não era possível.
Deve ter sido este o sentimento de Fernão da Magalhães, quando se aventurou na confirmação de que a terra não era plana. O caminho era só um: ir em frente, de nada adiantava voltar para trás…
O ponto de partida era, inevitavelmente, o ponto de chegada, o círculo estava confirmado e o eterno retorno nos conduziria à espiral do saber, cada vez mais ampla, mais elevada e aberta a outras descobertas.
Viver, é fazer uma viagem em torno de nós mesmos, é passar pelo mundo em “busca da terra prometida”, um apanágio dos crentes na existência da Verdade. Desta viagem, ficam excluídos os cépticos, os homens de pouca fé, os que não acreditam que “o conhecimento é o destino da nossa vida, e o Caminho pelo qual chegaremos à Plenitude.
Nadamos num vasto oceano sem perder de vista a beira do mar, procuramos não ser arrebatados pelas ondas gigantes e traiçoeiras que, num segundo, nos engolem, anulam e devoram.
A humanidade é portadora duma capacidade que lhe permite aceder ao conhecimento, a nossa civilização descobriu a razão, aprendeu a usá-la, a pensar, a reflectir sobre o concreto e sobre o abstracto e, graças à ciência e à tecnologia, desbravou florestas de mitos, terrores, preconceitos e falsas crenças.
As especialidades brotam como cogumelos e, hoje, muito se sabe acerca dum pequenino fragmento. Algum homem jamais conseguiu abarcar a totalidade do real, numa completude de saber terreno, racional, psíquico, tecnológico, material e espiritual.
Modestamente, aprendi que o pouco que ia sabendo cada vez ficava mais aquém da Verdade, essa certeza que nos transcende, que paira sobre nós, no alto dos Céus, mais além, mais além, mais além… como afirmava Florbela Espanca, pela razão, pelo coração, pela paixão do sublime, do etéreo, do Belo e do Amor…
Verdade, uma certeza que nos supera, nos faz crescer na sua busca, nos eleva do térreo patamar duma vida plana, sem ideias nem ideais, sem ânsia da mais, ausente de toda e qualquer dimensão ou componente superior que como um íman divino nos atrai.
Para além do saber que não sei, acresce-me uma perplexidade preocupante, em cada dia que passa, sou mais agredida, intoxicada e alienada pelas milhentas opiniões de todos os que não só julgam saber, como se arvoram em mestres perfeitamente convencidos que as barbaridades que dizem são o supra-sumo da mais perfeita inteligência.
Dizem os entendidos que, com o rolar dos anos, a nossa memória recente se esvai e nos recorremos duma memória passada, mais distante no tempo e no espaço. Talvez por isso me recordei de há muito, ter estudado algures, as fases, patamares ou estádios, conforme lhe queiramos chamar, do Conhecimento Humano face ao Saber e à Verdade:
1º: a ignorância ou ausência de conhecimento em relação a determinado assunto, o homem erra mas ignora que o faz. Se, eventualmente, afirma que sabe com o fim de enganar os outros, toma o nome de mentiroso, mais grave do que só ignorar;
2ª: a dúvida, uma hesitação da inteligência em pronunciar-se quanto à verdade ou falsidade de determinada coisa ou questão. Pode ser uma dúvida espontânea, reflexiva, sistemática, metódica, crítica ou céptica;
3ª: a opinião, uma tendência da inteligência em aderir a algo que se lhe afigura como verdadeiro, sem contudo, excluir a possibilidade de o não ser;
4ª: finalmente vem a certeza ou adesão da inteligência ao conteúdo de um juízo que tem por verdadeiro. É a certeza sem espírito de dúvida e a consonância do pensamento com o real, que se chama Verdade. Pelo que, esta é objectiva, existe e foi captada tal qual é pela inteligência do homem.
Todavia, em Ciência a expressão verdade foi, há uns anos, substituída por “probabilidade máxima”, na medida em que o seu contínuo progresso anulará ou descobrirá novas leis, revelará novos conhecimentos, implementará novas conclusões, as quais, a seu tempo, também virão a ser ultrapassadas.
A Verdade não é um estado, mas a busca continuada de um incessante progresso. Não é absoluta nem relativa, mas relacional e progressiva. Aprendemos na proporção do que já sabemos.
O homem foi feito para procurar a Verdade e não para a possuir, afirmavam os primeiros filósofos, que se consideravam peregrinos do saber, jamais, sábios.
E é aqui que eu encalho ou bloqueio, afinal a afirmação da certeza poderá ser antes uma revelação de ignorância extrema, do limite sem humildade de que “nada se sabe, mas tudo se imagina”, no dizer de Pessoa, na humildade das almas grandes, onde o seu modesto veio poético é confundido com devaneios, perversões ou tudo o mais, que a maldade dos homens escraviza e agrilhoa no fundo da Caverna, o lugar das sombras, das fantasias, das falsas crenças e da recusa em ascender mais alto, à Luz, ao Sol, ao Esplendor da Verdade que enaltece e redime a humanidade.