Nas rectas também há arte

 Nas rectas também há arte
João Paulo Marrocano

Estamos no outono, a chuva começa a cair e o tempo é propicio ao sossego. Para trás ficaram as últimas festas, com toda a azafama que as envolve.

Não há aldeia que se preze que não tenha a sua tradicional festa de verão. Seguindo à letra a expressão “o povo é quem mais ordena” prepara-se o mais importante fim de semana da comunidade. O bairrismo veste o seu melhor fato e tantas vezes entra-se na desgarrada com a aldeia vizinha ou com as comissões de festas anteriores para demonstrar que conseguimos fazer melhor.  

Estas festas, ponto alto da cultura popular, mais do que refrescar as gargantas cheias da sede própria do verão, ou aconchegar o estomago com um frango assado, aquecem a alma gelada de quem tem saudades das suas raízes e dão conforto ao coração magoado por ter que procurar longe o pão que não conseguiu na sua rua. Tantos são hoje os nossos migrantes que religiosamente guardam as suas férias para marcar presença nestas festas e assim reencontrar a sua família e outros tantos conterrâneos espalhados pelo mundo fora.

Não menos importante, é também a receita que estas festas geram, em primeiro para pagar taxas e licenças, que muitas entidades precisam de se alimentar que nem sanguessugas esfomeadas, depois os artistas que lhes dão cor e brilho e finalmente, aproveitar as receitas sobrantes para fazer melhoramentos patrimoniais ou socias nestas comunidades tanta vez colocadas de fora dos planeamentos orçamentais do estado e autarquias.

Depois há a outra cultura. Como reverso da mesma moeda, algumas expressões culturais continuam por aí, a ritmo tão alucinante como cogumelos indigestos. Com generosos orçamentos, temos cultura para todos os gostos, sejam eles em provas automobilísticas, concertos surpresa de artistas sem sucesso fora dos orçamentos públicos ou esculturas que de mérito só têm a capacidade de alimentar o estomago de quem da arte vive e que dificilmente terá tanta gente a apreciar a sua beleza duvidosa como artistas que dela se alimentaram.

Enquanto isso, as vias de comunicação continuam cada vez mais degradadas, com as poucas intervenções feitas limitadas à arte de remendar buracos. Algumas vão sendo pavimentadas a tão mau gosto que nem uma única curva é melhorada. Infelizmente, a largura de visão é tão pequena que ninguém vê que nas rectas e no bem fazer também há arte. Haveria arte também se as calçadas das nossas aldeias fossem devidamente reparadas e o problema das casas devolutas solucionado. Mas aqui a “arte” é outra. Espera-se pacientemente que a população envelhecida vá morrendo para que definitivamente seja muito fácil justificar que por tão poucos é impossível justificar investimentos mais alargados. Haveria arte em definitivamente resolver os problemas de quem desespera por uma consulta médica. Haveria arte em encontrar soluções colmatar a falta de mão de obra que muitas empresas sentem. Haveria arte em tanto lado, assim os “artistas” quisessem.

Acima de tudo, haveria arte se as festas do município se centrassem exclusivamente na temática da tigelada, e em todo o mundo que a rodeia. Fazer destas festas um verdadeiros ex-libris, capaz de nos diferenciar, promover e ajudar a desenvolver deveria ser um desígnio primordial, mas organizar bem requer arte, arte que falta. Infelizmente, estas festas não vão além da arte de uma velha mercearia, onde o açúcar e o sal eram pesados pela mesma medida e a farinha às vezes se confundia com o enxofre. Tal como as velhas mercearias definharam sem se dar conta que novas formas de comercio emergiam, também a nossa verdadeira arte e cultura que merecia ser preservada, acabará em terreno infértil, estéril e sem fôlego.

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