Muito mais é o que nos une…

 Muito mais é o que nos une…
Cristina Berrucho Figueiredo, (Professora)

A frase iniciada pode certamente levar alguns dos leitores à sua origem: a conhecida canção de o primeiro beijo, de Rui Veloso. E, de facto, é a Música que me leva a escrever este artigo. É sobre ela – a Música – que quero escrever, porque ela é afinal a raiz da minha vocação profissional e a responsável, pelo menos em parte, de eu ser o que sou.

Temos vivido tempos muito conturbados e assistimos, com alguma sensação de impotência, e com muita perplexidade, aos acontecimentos que caem sobre o mundo e em concreto, sobre este mundo mais próximo que é a Europa.

A Ucrânia foi invadida e o que vemos todos os dias nos jornais e nas notícias fala-nos de destruição: seres humanos, projetos de vida, sonhos, famílias, estruturas essenciais e que representam um direito para qualquer ser humano (habitações, escolas, hospitais, …).

Não consigo pôr-me no lugar de quem está a viver esta realidade na primeira pessoa, a senti-la na pele e na alma, mas sofro com o que vejo e a minha alma também sofre unida a estes irmãos nossos que, sem qualquer culpa, veem a sua vida “virada de pernas para o ar” de uma hora para a outra e sem um horizonte à vista que lhes permita dizer que “vai ficar tudo bem”, pelo menos em breve.

Ao mesmo tempo, vamos assistindo a esforços (diplomáticos) para tentar estancar o conflito. As sanções à Rússia e aos oligarcas russos foram tomando a sua posição nesta guerra, mas os efeitos não se veem tão claramente como os efeitos dos mísseis e das bombas que caem, um dia e outro no solo ucraniano.

Mas há também outros efeitos (colaterais) e outras sanções, que talvez pareçam “naturais”, mas que a mim me têm deixado muito apreensiva: desportistas, músicos, bailarinos e demais atores da cultura que têm sido “penalizados” pelo (único) facto de serem cidadãos russos. Mas os valores humanos e cristãos da nossa Europa têm como princípio distinguir as pessoas pela sua origem? Penso que não e julgo que, noutro cenário qualquer, isto até seria razão para uma forte e unânime condenação. Como pode então estar agora a ser tão genericamente aceite? Desculpem, mas custa-me compreendo. A minha alma de artista não entende como pode a Música (e quem fala da música, fala do desporto, da poesia, da pintura, da dança, etc.) servir de “arma de arremesso”. Alguns dirão que estou a ser ingénua e que “todos sabemos” que na Rússia ninguém age sozinho e que a Federação Russa “usa” as suas figuras ilustres (os seus artistas e desportistas) como representantes. Sim, em alguns casos (talvez muitos) acontece certamente, mas não se pode condenar um povo (o todo) por um homem e a sua máquina de guerra (a parte).

Foram vários os exemplos, mas por ser uma caso diretamente relacionado com a Música, peguei na situação particular e recente do maestro russo Tugan Sokhiev.

Sokhiev explicou que “face à opção impossível” de escolher entre os seus “músicos russos e franceses adorados”, decidiu demitir-se do Teatro Bolshoi em Moscovo e da Orquestra Nacional do Capitólio de Toulouse (sudoeste de França), “com efeito imediato”.


“Pedem-me que escolha uma tradição cultural em detrimento de outra. (…) Em breve vão pedir-me para escolher entre Tchaikovsky, Stravinsky, Chostakovitch e Beethoven, Brahms, Debussy.”

E revejo-me nas suas palavras quando diz: “Nós, músicos, estamos lá para lembrar através da música de Chostakovitch os horrores da guerra. Nós, músicos, somos os embaixadores da paz. Em vez de nos usarem, a nós e à nossa música, para unir as nações e os povos, somos divididos e ostracizados”.

Todas as guerras são más, um absurdo louco e sem razão, que semeia separação onde devia existir união porque somos todos filhos de um mesmo Pai, iguais na nossa natureza e dignidade. Também isso nos lembra a música: “Muito mais é o que nos une do que aquilo que nos separa…”

Tenhamos o cuidado de não remediar um Erro com outros erros que a História, a seu tempo, fará o trabalho de nos fazer lembrar e assinalar. Neste tempo especial que vivemos, a enorme solidariedade que se faz sentir para com o povo ucraniano representa uma Luz no meio da escuridão. Oxalá consigamos semear outros gestos de magnanimidade que nos levem a afogar o mal em abundância de bem, para que seja este último a prevalecer, como última palavra.

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