Muitas cores tem Abril

 Muitas cores tem Abril

Crónicas de Lisboa

“Se quer prever o futuro, estude o passado”

Confúcio

Na nossa história, destacam-se algumas datas relevantes, como seja a de 1143 (5 de outubro-data da fundação de Portugal), a de 1640 (1 de dezembro-data da restauração da nossa independência face ao domínio dos Filipes de Espanha), a de 1910 (5 de outubro-data do fim da monarquia e a implantação da República).

Mas, por fim, mas não menos importante, a data de 1926 (28 de maio-Golpe Militar), com a queda do regime republicano e cujos devaneios da primeira república levou ao assalto ao poder liderado pelos militares no 28 de maio de 1926 e conduziu o país ao Estado Novo.

Esta uma data pela pior razão, porque representa o início da ditadura até ao de 25 de Abril de 1974, feito que estamos a celebrar nos seus 50 anos.

“Abril” acaba por ser um mês carregado de simbolismo.

Era o mês dos cravos vermelhos que, por causa da campanha turística anual, habitual à época, com o slogan de “Abril em Portugal -Avril au Portugal (em francês), um cravo era oferecido aos turistas.

Na manhã do dia 25, havia cravos pela cidade de Lisboa e que acabaram por ser adotados como símbolos, e que o povo os usou para colocar na ponta das espingardas ou na lapela dos militares.

Mas “Abril” tem muitas cores, isto é, tem muitas cores partidárias ou, se quisermos, muitos donos partidários que são ou deveriam ser os pilares da democracia, mas que mais parecem galgos mais preocupados com os seus feudos, tornando a politica parlamentar e partidária semelhante ao campeonato do futebolês.

Não é bom partido ou político da governação aquele que pretende sobretudo liquidar os adversários e enganar os outros agentes da democracia.

Do mesmo modo, não é bom politico/partido na oposição aquele cujos esforços se destinam a criar o caos, com danos na população, visando sempre os objetivos pessoais e partidários, relegando o país para segundo plano.

Abril, tem, desde logo, o vermelho da cor do sangue derramado por milhares de jovens militares milicianos (obrigados a “defender a Pátria”), nascidos neste Portugal e nas províncias ultramarinas e também de muitos milhares de seres humanos no antes e no durante as guerras coloniais de mais de doze anos e, em maior número, no pós-independência, nas terríveis e sangrentas guerras civis de Angola e Moçambique.

Só em Angola e a partir da independência (11 de novembro de 1975, rebentou o conflito entre as várias forças políticas que tinham assinado o acordo de independência, que só terminou em 2002, provocando dois milhões de mortos, 1,7 milhão de refugiados e 80 mil mutilados e a destruição de tudo o que, queira-se ou não, foi feito em prol do desenvolvimento daquelas “províncias”.

Será que os políticos, aos quais o MFA entregou o poder, estiveram à altura nas negociações das independências das duas nações emergentes?

Uns enfeudados a Leste (URSS) e outros a Oeste (USA), cederam às pressões e deixaram a luta aos galos, que os lançou na guerra civil.

Abril tem também o fim da “cor negra” do período da ditadura reinante durante quase cinco décadas e da pobreza de milhões de portugueses, principalmente do mundo rural (eu próprio).

Tem também a cor vermelha de alguns partidos que se arvoram como “donos de Abril” e que, com a justificação de defesa da luta de classes, eram e são subservientes de interesses internacionalistas ou, melhor, de interesses imperialistas, agora ressuscitados através da guerra, onde também se verte o sangue de inocentes.

É uma data, importante, mas a leitura dos factos do antes, do durante e do período seguinte, até aos nossos dias, tem muitas leituras e cujo “puzzle” não é fácil de construir e entender.

Cada historiador ou personagem, ainda viva ou dos testemunhos deixados nos registos em arquivo, tem a sua leitura deste capítulo da nossa história e cuja data rivaliza com a importância de outras datas atrás citadas.

Mas, afinal, como chegámos ao 25 de Abril de 1974?

Em boa verdade, começou a tornar-se evidente em dezembro de 1961 com a posse, pela força e a rendição das tropas portuguesas para evitar massacres, tal era a desproporção dos efetivos, pela India, das possessões de Goa, Damão e Diu e depois a eclosão das lutas armadas em Angoa (1961), Guiné (1963) e Moçambique (1964).

As guerras foram decorrendo com mais ou menos conivência dos militares de carreira, mesmo daqueles que viriam a ser protagonistas da “Revolta do Capitães”.

O processo, com alguns meses de maturação e clivagem, iniciou-se com a Conspiração dos Capitães após a publicação do decreto-lei (DL) de 1973 de 13 Julho cujo clausulado visava, para fazer face à escassez de capitães dos quadros permanentes (QP), permitir que os oficiais milicianos (OM) pudessem ascender na hierarquia militar duma forma mais acelerada dos que os oriundos da Academia Militar (cadetes da AM), isto é, na AM o curso era de quatro anos enquanto que através da experiencia adquirida e das aptidões demonstradas como alferes e tenentes, nas frentes de combate, a frequência de dois semestres na AM os colocaria em capitães em igualdade com os seus pares oriundos da AM.

Isso despoletou um mal-estar nos capitães do QP e começaram a movimentar-se no sentido da contestação a esse diploma. Começou na Guiné, liderado pelo então capitão Otelo Saraiva de Carvalho, e foi-se propagando à Metrópole, Angola e por fim Moçambique, com um manifesto assinado por mais de seis centenas de capitães do QP.

Nesse manifesto, entregue a várias instituições, nomeadamente, Presidente da República, Presidente do Conselho e Chefias Militares, constavam alguns pontos de ação que, a serem cumpridos, teriam colocado seríssimos embaraços à “Superestrutura” do país (instituições civis e militares do aparelho do Estado).

Um deles, o que teria maior impacte, era dos pedidos de demissão, de cada capitão de per si, com centenas de pedidos, que cada um assinou, em papel selado (!), e fizeram chegar aos diversos responsáveis.

O exército ficaria inviável na sua operacionalidade. Os “conspiradores” foram evoluindo não só em número de adesões, mas também discutindo a estratégias possíveis e, sob pretexto de lutarem pelo prestígio e dignidade da classe militar, foram “burilando” um assunto que, embora parecendo ou fosse do foro corporativista (da luta de classes elitistas contra um grupo de jovens milicianos que, após a comissão de serviço no Ultramar, optavam por querer fazer carreira na vida militar), começava também a ganhar contornos de quererem acabar com a guerra nas frentes africanas e isso implicava derrubar o poder.

Esses objetivos, quais segredos bem protegidos face a ameaças das hierarquias político-militares e da PIDE, foram sendo liderados pelos capitães mais politizados.

De reunião em reunião, em locais secretos, sentiam-se cada vez mais empenhados no derrube do regime e o fim das guerras coloniais, levou-os até a noite de 24 para 25 de abril.

Apesar de Marcelo Caetano ter tentado “comprar” os capitães, em finais de dezembro de 1973 com a revogação do DL e aumentos salariais dos militares com maior incidência nos capitães, estes não cederam e no 25 de Abril, o regime “caiu de maduro” e ainda bem, porque se assim não tivesse acontecido, muitas mortes poderiam ter acontecido.

Para bem de todos nós, embora a luta partidária pelo poder se tivesse iniciado quase de seguida com o assalto ao poder por forças totalitárias. Perto esteve a instauração duma outra ditadura no nosso país, esta de cor vermelha.

Abril está por cumprir, porque faltam políticos e outros agentes, por exemplo, governantes, empresários e sindicalistas, para que a Democracia e a Liberdade sejam geradoras do bem-estar de todos nós.

A História deu-nos lições amargas, que será perigoso esquecermo-nos dessas lições. “Abril” ofereceu-nos a liberdade, mas os “donos de Abril” esqueceram-se de criar cidadãos e políticos com espirito de missão, pelo que Abril tem a cor do campeonato dos partidos, como se a Politica-Económica e Social e a Governação fosse um campeonato de futebol.

*Serafim Marques – Economista (Reformado)

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