Miguel Torga – O Lavrador de Palavras

 Miguel Torga – O Lavrador de Palavras

Foto de: Padre Valentim Marques

O Amigo, o Homem, o Escritor

*Por Manuel Gândara

Passadas mais de quatro décadas, desde o ano que conhecemos por coincidências da vida, o Dr. Adolfo Rocha, (Miguel Torga — O Lavrador de Palavras), uma amizade que teve para comigo e a minha família, a quem muito devemos, nunca poderemos deixar de o lembrar, agora passados  29 anos da data da sua morte, 17 de Janeiro de 1995.

Da pequena aldeia de Rabacinas, Montes da Senhora, enviavam os meus sogros, Manuel André (já falecido) e Maria do Carmo, hoje com 98 anos, laranjas, clementinas e limões, citrinos da  encosta abençoada pela beleza natural da aldeia e por altura do verão as uvas, que por nós  eram levados ao  Dr. Adolfo, com uma alegria contagiante, os recebia,  (ou não fosse oriundo do Portugal profundo, de Trás-os-Montes, no seu Douro, que imortalizou ao longo da sua obra), na sua casa branca, nos Olivais em Coimbra, atual Casa Museu, Miguel Torga.

Adolfo Rocha, (Miguel Torga), nasceu a 22 de Agosto de 1907, em São Martinho de Anta, filho de gente humilde, cujo pai cavador, trabalhava de sol a sol, e no fim do dia agradecia a Deus, por mais uma jorna.  Cedo foi para o Seminário de Lamego, onde esteve pouco tempo, percebeu depois que aquele não era o seu caminho.

Regressou a São Martinho de Anta, partiu a aventura no Brasil, ao encontro do tio, para a fazenda perto do Rio de Janeiro, onde trabalhou arduamente e estudou no liceu, também por aqui teve dificuldades sobretudo criadas por parte da tia.

Decide voltar a Portugal, ao despedir-se do professor do liceu, que viu nele qualidades singulares, este  teve esta expressão “ainda havemos de ouvir, falar muito de si”.

Vem para Coimbra, estuda arduamente, chegando no liceu a fazer dois anos escolares num só, entra em Medicina, termina o seu curso, ao ponto de escrever nos seus brilhantes textos “Universidade, nem dei por ela nem ela por mim”.

Na cidade dos estudantes, a nossa querida Coimbra, manteve até aos últimos dias de vida, o consultório, na Portagem onde exerceu a sua atividade de médico de otorrino.

Sempre disponível a ajudar os amigos e os mais pobres, um humanista ímpar.

Visitava quase diariamente a nossa empresa, a partir do momento que entregava o original do próximo livro, (entrava em sofrimento até surgir o primeiro exemplar) passávamos por sua casa pela manhã, para o levar no nosso carro, depois de almoço, fazíamos o mesmo trajeto, era de uma riqueza sem igual as suas palavras, conselhos e amizade, é esta a nossa razão por estar sempre a lembrar nos meios de comunicação social e não só,  aos mais jovens quem foi o grande Escritor e que leiam os seus livros, (sabemos que não é de leitura fácil, como Torga, dizia) até há poucos anos era de leitura obrigatória, os bichos, no ensino secundário, hoje infelizmente não, perdemos todos, são os novos tempos, assim está o nosso ensino de português…

Miguel Torga, Diário vol. XVI 

O porquê de Miguel Torga, primeiro, homenagem a Miguel Cervantes, o segundo,  planta selvagem existente em grande quantidade, por terras de São Martinho de Anta, Trás-os-Montes, a sua amada terra natal, “Reino Maravilhoso”, onde voltava sempre que podia para calcorrear serras e vales, com fisionomia de um contrabandista, era assim que se definia. 

Obra literária ímpar, sempre de um humanismo imenso, nela sempre presente a terra, o povo e o seu Portugal “nesga de terra debroada de mar”,  que tanto amava, “há Sim  Portugal  esse conheço, eu bem…”, o poder não sabe o que é o suor do interior.

Aos políticos que constantemente o citam com os seus pensamentos ou poemas, leiam sobretudo a obra literária , O Diário, aprendiam muito.

Um politico amigo comum, dizia muitas vezes, Torga, fala diretamente com Deus, se o encontrou  peça que termine com esta loucura dos homens, as guerras fratricidas, que pairam hoje sobre a humanidade.

Jorge Amado, disse um dia, se algum escritor da lusofonia merece o Nobel, é  Miguel Torga.  Talvez um dia escreva sobre esta história mal contada!…

Torga, Nasceu Povo, viveu Povo e morreu Povo.

Sepultado em São Martinho de Anta, sua terra natal,  em campa rasa, com a planta selvagem torga, junto.

Ao nosso grande amigo, ou talvez mais…, esta pequena homenagem.

Primeiras provas tipográficas:…o sofrimento do autor!

 

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