Bernardo de Vasconcelos é de se lhe tirar o chapéu
Não para lho roubar, até porque, além de ser um gesto de mau gosto, de incitar perseguição, paulada e prisão, não sei se Bernardo usava chapéu.
Que os havia, havia, basta recordar o filme ‘A Canção de Lisboa’, em que Vasco Santana, o Vasquinho da Anatomia que enganava as tias do Norte, arreliado, dizia que sim, que os havia, e muitos.
Aqui, dizendo que este jovem é de se lhe tirar o chapéu, é dizer que é digno de uma saudação reverencial, com reverências muito mais solenes que as prestadas a Luís XIV, o Rei-Sol.
Há gente que, se chega às reuniões, só chega a tempo de se ir embora. Chega tarde e apressado como se viesse dum trabalho inadiável, perturba, e logo mostra na palma das mãos a muita pressa que traz nos bolsos: tem de sair antes de a reunião acabar!…
Também há quem nasça e logo parta, com pena sua e de quem fica.
No entanto, se não entendemos bem tal pressa, e, até, aos olhos humanos, nos pareça injusta e descabida, existências há, que, enquanto viveram e conviveram connosco, tornaram a sua presença exemplar, estimulante, deixando aquelas saudades que são a memória do coração.
Uma dessas pessoas é este celoricense de que falo e de quem se falou no 5º Congresso Eucarístico Nacional em Braga, na semana passada. Ele participou, há cem anos, no primeiro desses Congressos, com uma conferência sobre ‘O Ideal Cristão’.
Foi patrono dos jovens da Arquidiocese de Braga na Jornada Mundial da Juventude 2023, em Lisboa. Sempre recusou ser fotocópia fosse de quem fosse. Sempre rejeitou viver ao estilo dos cataventos ou de cana agitada pelo vento. Sempre entendeu que a vida é um dom e deve ser vivida com alegria e responsabilidade.
Era um jovem que sonhava, um jovem jovem, não um jovem cansado e velho sempre pendurado em cigarros e a querer fintar a vida por becos escuros e quelhas tortuosas. Embora não tenhamos nada a ver com quem age assim (às vezes não sei se não temos mesmo!), embora isso, isso faz-nos sofrer silenciosamente, até porque, regra geral, quem por aí enfileira não ouve ninguém nem aprende com quem, por esses caminhos, já se esfarrapou todo e partiu a cabeça contra a parede.
Bernardo era um jovem à procura de um ponto de apoio para virar o mundo, um jovem espião do futuro. Um jovem em constante busca de sentido para a sua vida e em contínua procura do seu lugar no mundo para melhor servir a comunidade humana.
Quando os jovens forem aquilo que devem ser, ‘eles pegarão fogo ao mundo inteiro’, afirmava São João Paulo II, reforçando esta afirmação com palavras de Santa Catarina de Sena, Padroeira da Europa.
E a Europa precisa mesmo de jovens competentes e saudáveis, de jovens de mangas arregaçadas, de olhos abertos e pé ligeiro, sem teias de aranha na cabeça e no coração. De jovens que se empenhem com coragem na sua missão, sem abandonarem o seguimento de Cristo, o único que é capaz de fundamentar, promover e satisfazer plenamente os seus desejos de liberdade, de felicidade e de bem-estar, para si, para todos e com todos.
De jovens felizes, com sensibilidade e competência no campo político, social, económico, artístico e cultural, sempre no respeito pela liberdade religiosa de cada um.
De jovens que defendam que se deve dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, mas que também não esqueçam que se Deus dá a César o que é de César, também César deve dar a Deus o que é de Deus.
Jesus dividiu a História no antes e no depois d’Ele, deu sentido à História, suportou as agruras da paixão e da morte para que a História, individual e coletiva, se construísse sobre os alicerces da justiça e do amor, sem armas nem prepotências, sem egoísmos nem maldades.
E ensinou-nos o caminho para que isso pudesse acontecer naturalmente. Ele próprio, apresentou-se como o caminho: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Feliz a pessoa que o reconhece quando Ele se faz encontrado, o aceita como companheiro de viagem, o sabe escutar no que Ele tem para lhe dizer e descobre quão preciosa é a sua ajuda, sem que Ele apresente fatura.
Sempre ouvi dizer que o jovem que se ama a si próprio precisa de boas companhias, busca valores e santidade no meio das suas irreverências e traquinices saudáveis, ama os outros e serve responsavelmente, sabe que a santidade é sempre jovem, um desafio constante.
A juventude de Deus é eterna, sempre atual e atuante.
Bernardo Vaz Lobo Teixeira de Vasconcelos, mais conhecido por Frei Bernardo de Vasconcelos, nasceu a 7 de julho de 1902, na Casa do Marvão, freguesia de São Romão do Corgo, concelho de Celorico de Basto, o sétimo de oito irmãos.
Foi batizado a 5 de agosto do mesmo ano, na igreja matriz de São Romão do Corgo. De saúde débil, mas de caráter dócil, foi crescendo, como todas as outras crianças, na sua aldeia natal. Fez estudos em Lamego, em Coimbra e no Porto.
Como estudante universitário em Coimbra, filia-se no Centro Académico da Democracia Cristã (CADC), do qual veio a ser vice-presidente, sendo também nomeado secretário da Redação da revista Estudos.
Revela conhecimentos bíblicos, teológicos e místicos. Funda a Liga Eucarística para estudantes universitários, da qual foi presidente.
Inscreve-se na Conferência Vicentina, em Coimbra, da qual também acaba por ser responsável por algum tempo, participa como maqueiro, numa peregrinação nacional a Lourdes.
Entre os retiros que fez, o do Luso, orientado pelos jesuítas, foi para ele marcante. Em Coimbra, que tem mais encanto na hora da despedida, Bernardo, que alimentava a ideia do casamento e teve namorada, depois de uma longa caminhada de discernimento, com um ombrinho de alguns ilustres cireneus, deixa-se surpreender por Deus e decide, com liberdade e entusiasmo, ser monge beneditino.
Entra no Mosteiro de Singeverga, inicia o postulantado, parte para a Abadia de Samos, Galiza, onde fez o noviciado e recebe o hábito beneditino, tomando o nome de Frei Bernardo da Anunciada.
Em 1926 sai para a Bélgica, para estudar Teologia na abadia de Mont-César-Lovaina. Uma doença, o Mal de Pott, porém, fê-lo regressar ao Porto, obrigando-o a trepar o seu calvário durante seis anos, passando ainda pela comunidade da Falperra, em Braga, mas grande parte do tempo pelos hospitais e casas do Porto e Póvoa de Varzim.
Não dá mau tempo, dá testemunho da sua fé, uma fé bem provada pela doença. Escrevia com arte e beleza, foi poeta e monge, um místico, a quem se atribui oito livros, sendo um dos mais significativos o “Cântico de Amor”.
Como doente, participou numa peregrinação a Fátima e noutra ao Sameiro. Faleceu na madrugada de 4 de julho de 1932, na Rua de São Bartolomeu, n.º 29, na Foz do Douro.
Após as exéquias, foi provisoriamente sepultado ali, no cemitério local. Ainda nesse ano, foi trasladado para o cemitério de Molares, Celorico de Basto, para o jazigo duma família amiga.
Desde 4 de julho de 1933, jaz na capela de Nossa Senhora das Dores, na igreja de S. Romão do Corgo, aldeia onde nasceu, foi batizado e cresceu. Em sua memória, existe um busto no adro da igreja de S. Romão do Corgo.
Depois de ter decorrido o respetivo processo, o Papa Francisco, em 14 de junho de 2016, assinou o decreto que declara Frei Bernardo ‘Venerável’, o primeiro passo em ordem à canonização. Periodicamente, chega-nos o Boletim promotor da sua canonização, dando-nos notícias e apelando à oração e à adesão a esta causa.