A credibilidade em notícias falsas
Um estudo realizado no Centro de Investigação e Intervenção Social (CIS-Iscte) explorou a complexa interação entre emoções, perceções de credibilidade e crenças prévias na suscetibilidade das pessoas a notícias falsas.
O estudo clarifica processos psicológicos subjacentes à forma como as pessoas interagem com notícias na era digital.
Angela Rijo, atualmente aluna do Doutoramento em Psicologia no Iscte-Instituto Universitário de Lisboa, e Sven Waldzus, investigador no CIS-Iscte, quiseram compreender o que leva as pessoas a acreditar e partilhar notícias falsas e verdadeiras.
Neste estudo, os investigadores exploraram em que medida as crenças políticas prévias das pessoas influenciam os seus julgamentos sobre o interesse e a surpresa que as notícias lhes despertam, bem como os seus julgamentos sobre a sua credibilidade.
Além disso, analisaram a forma como essas respostas emocionais e perceções de credibilidade influenciam a probabilidade de acreditar e/ou partilhar essas notícias.
Porquê interesse e surpresa? De acordo com a equipa de investigação, “as emoções epistémicas diferem das restantes emoções porque estão ligadas a processos cognitivos relacionados com a avaliação da informação e a formação de crenças. Elas moldam a forma como respondemos a novas informações, avaliando a sua relevância, novidade e significado”.
Angela Rijo explica que, de acordo com a investigação, “o interesse e a surpresa estão normalmente envolvidos na promoção da exploração do conhecimento e na prossecução de objetivos epistémicos”.
Acrescenta ainda que o interesse, embora nem sempre considerado uma emoção, está relacionado com esforços atencionais no processamento da informação e pode desempenhar um papel na tendência para acreditar e partilhar uma determinada notícia.
Já a surpresa consiste no espanto e admiração sentidos perante o inesperado, estando ligada à forma como as pessoas fazem previsões sobre a realidade, e podendo aumentar o valor acrescentado de uma notícia que, assim, justifica a sua partilha.
Outro conceito importante neste estudo é a credibilidade, um atributo multidimensional que engloba a confiança (perceção de fiabilidade e honestidade da fonte de informação), a imparcialidade (a neutralidade e a ausência de enviesamentos na apresentação da informação) e o rigor (minúcia e exatidão da informação fornecida).
A credibilidade percebida desempenha um papel significativo na forma como a informação é processada, acreditada e partilhada.
A equipa de investigação salienta a importância deste conceito para o estudo, afirmando que “as perceções de credibilidade podem também elas ser influenciadas por fatores como crenças prévias ou o facto de a informação se alinhar com os pontos de vista de cada pessoa”.
Às pessoas que participaram no estudo, foram apresentadas publicações do Facebook que partilhavam notícias falsas e notícias verdadeiras, em igual número.
Após cada publicação, era pedido aos participantes que indicassem se a notícia era verdadeira ou falsa, e que classificassem o seu nível de interesse e surpresa, avaliassem a credibilidade da fonte de notícias em termos de fiabilidade, imparcialidade e rigor e indicassem a probabilidade de a partilhar.
Embora as notícias verdadeiras fossem consideradas ligeiramente mais precisas e mais suscetíveis de serem partilhadas do que as notícias falsas, os participantes tiveram ainda assim problemas em detetar as falsas.
A equipa de investigação atribui este facto a um processo emocional.
“As notícias falsas foram, paradoxalmente, consideradas mais credíveis, o que pode ser explicado pelo facto de a resposta emocional às notícias falsas ser mais forte”.
explica Angela Rijo
Os resultados mostraram que emoções epistémicas mais fortes, nomeadamente o interesse e a surpresa, estavam associados a uma maior perceção de credibilidade das notícias.
“Os participantes tendiam a confiar mais nas notícias se estas suscitassem níveis mais elevados de surpresa e interesse, independentemente de as notícias serem verdadeiras ou falsas”.
acrescenta Angela Rijo
As notícias mais credíveis tinham então mais probabilidades de serem consideradas verdadeiras e de serem partilhadas.
Participantes com opiniões mais negativas sobre o sistema político democrático consideraram as notícias apresentadas como mais credíveis e foram mais propensos a partilhá-las, em particular as notícias falsas, o que não é surpreendente, uma vez que as mesmas tratavam de imperfeições ou críticas ao sistema político (por exemplo, corrupção).
De acordo com Sven Waldzus, “este comportamento pode ser motivado por questões ideológicas ou identitárias”.
O que surpreendeu os investigadores foi o facto de também estas notícias terem sido consideradas não só como mais surpreendentes e interessantes, como de as suas perceções de credibilidade acrescida serem totalmente explicadas por estas emoções epistémicas.
Os resultados do estudo também mostram que identificar as notícias como falsas não impediu necessariamente os participantes de as partilharem, o que parece contradizer o senso comum, mas apoia investigações anteriores.
De acordo com a equipa de investigação, as intervenções destinadas a aumentar a sensibilização para as notícias falsas podem resultar numa diminuição da crença geral, mas não necessariamente na diminuição das intenções de as partilhar.
“Embora o nosso estudo informe acerca dos processos psicológicos subjacentes à crença em notícias falsas, é essencial reconhecer algumas limitações”, alerta Angela.
Nenhum dos preditores foi manipulado experimentalmente, o que dá azo a várias explicações alternativas para o padrão encontrado nos resultados.
A investigação foi realizada com uma amostra específica de participantes portugueses, centrou-se em conteúdos de notícias políticas extraídos do Facebook e analisou apenas a surpresa e o interesse como emoções epistémicas.
“A generalização dos resultados a populações e fontes de notícias mais amplas, bem como a exploração de outros fatores emocionais requerem mais investigação”, explica a investigadora.
“Independentemente disso, os nossos resultados realçam a importância de considerarmos as respostas emocionais e as avaliações de credibilidade no combate à disseminação da desinformação e na promoção da literacia mediática na sociedade”.
conclui Sven Waldzus
*Pedro Simão Mendes, Comunicação de Ciência (CIS-Iscte)