X Encontro das Famílias em Roma: D. Armando Rodrigues
Segue entrevista ao D. Armando Domingues, bispo auxiliar do Porto e membro da Comissão Episcopal do Laicado e Família.
Como é que tem vivido este Encontro Mundial das Famílias?
É um Encontro que se vive com muita alegria. Em primeiro lugar, a imagem que percebemos de uma Igreja que há muito tempo diz que a Pastoral da Família deve ser feita com as famílias, não para as famílias. Isto é a imagem que é verdade, que é possível. Há uns tempos víamos isto nos movimentos, que conseguiam partilhar as suas próprias experiências e lê-las à luz do Evangelho, ou de uma vida que se partilhava. Mas agora é um património de toda a Igreja, da pastoral da família. Ver famílias que, das suas próprias fragilidades, conseguem mostrar quão poderosa é esta célula da família se iluminada por Cristo e centrada em Cristo, onde as fragilidades, as provas, até às próprias separações e infidelidades, encontram em Cristo a salvação.
Por um lado, há esta imagem de uma pastoral feita pelas famílias que se torna poderosa e forte. Um outro aspecto, nota-se que aqui estão representantes das conferências episcopais, delegados, uma elite das famílias. Levanta-se também a questão de como é que podemos, nas dioceses, não digo repetir, mas ajudar as famílias, que em tantas intervenções nos pedem este acompanhamento, esta luz, esta iluminação. A Igreja sente que precisa de ver estas famílias a caminhar, serem capazes de viver uma missão junto das outras. A questão é saber como vamos conseguir que as famílias se tornam um grande movimento dentro da Igreja, se tornem famílias em ação, em missão, em saída.
Infelizmente, as crises que assolam a família, e que também foram referidas, sentimo-las muito. Se não há famílias semente, líderes, capazes de caminhar à frente, é muito difícil. Temos de pensar a pastoral a nível nacional, a nível das dioceses, centrada mais nas famílias e partindo da capacidade das próprias famílias.
O Papa falou muito da esperança, mas também que isso dá trabalho…
Pede um grande investimento de toda a Igreja. Na verdade, o Papa foi muito pedagógico. Foi buscar os exemplos, os momentos das experiências dos casais, e mostrou como eles já estavam iluminados pelo Evangelho. O grande segredo da família cristã é se se encontra com Cristo e com o Evangelho, que é sempre uma mensagem de esperança, uma lição de esperan,a uma estrada de esperança. O Papa teve também o condão de dizer que a família é vocação, é chamamento. Não está em causa o ser chamado a ser casal cristão, antes disso está em causa sentir-se chamado ao Amor, aquele Amor que Cristo semeou no coração de cada crente desde o Batismo. Se é vocação, é caminho, nunca está realizada. Corremos o risco de querer que tudo se defina na administração do Sacramento. Que a preparação esteja toda feita, sejam muito santos, celebrem o sacramento com toda a devoção, quando sabemos que aquele dia é cheio de folclore, desafios, fotos, festa, vestidos, almoços, família… e valores, claro. Mas é uma vocação que é um caminho de santidade, um sacramento a viver todos os dias, não é um sacramento que se esgota, mas se deve viver todos os dias.
E essa é a mudança que precisa de ser feita, junto dos casais e da Igreja?
O sacramento do Matrimónio inicia um caminho que termina no Paraíso, naquela porta estreita de onde do lado de lá se vê o céu, mas nunca nada acabado.
MAS isto é um desafio a toda a pastoral, pois muitas vezes terminamos o curso de formação cristã na Primeira Comunhão, ou achamos que a Primeira Comunhão, cmo é um grupo inteiro, já são todos muitos cristãozinhos, vão continuar todos inteiros na Igreja… e o facto é que hoje damos conta que as pessoas têm o seu ritmo, as famílias têm o seu ritmo, e isto torna muito difícil a pastoral.
Esta noção de caminho e sinodalidade… a Igreja é caminho e está a caminho. Quando nos perguntamos como formar famílias, vemos aqui esta elite que é capaz de ler a vida à luz do Evangelho, que é capaz de comunicar e de nale fazer doutrin, e evangelizar a família e o mundo, e temos de perceber como podemos chamar as famílias à formação. Há aqui uma expressão que se pode conclur, que é a melhor formação é a que se faz ao longo do caminho. A família vai fazendo caminho, vai sentindo necessidade espiritual, para o seu crescimento e para vencer as crises… a gradne formação é evangélica, mas depois também é preciso formação complementar, que se vai buscar num retiro espiritual, numa formação, num estudo bíblico, em grupos que se formam… quantos destes casais estão inseridos em grupos de casais, em movimentos de casais, associações de ajuda às famílias. Há uma formação que se vai adquirindo ao longo da vida, de acordo com as próprias necessidades. Não é fácil dar este passo, mas temos de pensar como é que conseguimos proporcionar, nas comunidades e paróquias, formas e estruturas de formação contínua, num caminho que nunca para, numa família que está sempre a crescer e a deparar-se com dificuldades, com provas, tentações de separação, infidelidades… é o grande desafio. Mas também este encontro com Cristo nunca nos vai deixar parar, a nós como Igreja, mas à família em especial.
Não tem sido muito falada a questão da violência doméstica, mas em Portugal os números estão a aumentar. É uma área onde a Pastoral Familiar tem de fazer algo?
Preocupa imenso essa área, porque é um mal que está agora a vir com muito mais força. Não sei se a pandemia, esta agitação da guerra, as inseguranças, tudo aquilo que se meteu no coração do Homem, que dizíamos que ia ter consequências…
Penso que a Pastoral Familiar vai ter de olhar para tantas destas crises com coragem, porque a família é frágil, mas também é poderosíssima. Nada na sociedade é tão poderoso como a força familiar, como esta célula cristã que no mundo é capaz de frutificar.
A violência doméstica é um fruto da indiferença. Educámos durante muito tempo para o individualismo, e damos conta do quão difícil é ser casal, e ser casal para sempre. Mas também este individualismo, se não fazermos algo contra isto, fecha-se nas casas e os problemas ficam trancados. A vizinhança não se apercebe. O velho ditado de que entre marido e mulher não se mete a colher transformou.se nesta indiferença pelo que se passa fora. Precisamos de voltar a esta pastoral de proximidade, de vizinhança, que era uma forma que há tantos naos se repetia. Hoje volta com a JMJ, que nos diz que devemos ser hospitaleiros para o mundo inteiro. Caramba, quando é que vamos ter este desafio de estar atento e de criar laços, relacionamentos novos com vizinhos, com quem é feliz ou vive triste, com quem tem ou tem menos. Quando assim for, os problemas vêem-se. Neste momento, estão escondidos e só damos conta quando os problemas descambaram e já há violência, ou morte. Damos conta do fim, e não nos apercebemos do caminho doloroso que as pessoas estão a fazer. É um desafio porque é uma fraqueza das comunidades, uma fraqueza dos cristãos e da vivência dos laços de vizinhança que todos deveríamos ter. Proximidade, proximidade, proximidade… Cristo fez tudo por isso, mas eu não sei se neste momento estamos a fazer caminhos para nos aproximarmos da proximidade de Cristo, ou se estamos a fazer caminho para nos afastarmos dessa verdadeira proximidade, fraternidade, interesse. O outro é parte de mim, o que o outro não tem tenho eu, e precisamos de caminhar muito nesse aspeto.