Reparação em tempo de Quaresma

 Reparação em tempo de Quaresma
Padre Aires Gameiro

Vivi três anos em Fátima nos anos em que circulava uma pequena enciclopédia para comemorar os 90 anos das aparições (2007). Uma das entradas é reparação de sentido cristão, próximo do sentido de redenção realizada por Cristo. O re- de reparação pede um voltar a pôr o que foi destruído. Este re aparece em reconstruir, remediar, redimir, (ar)repender-se e tantas outras palavras. No sentido espiritual supõe pena ou arrependimento do mal feito, como no caso de reparar as ofensas cometidas contra Deus, Nossa Senhora e outras pessoas. Na quarta-feira de cinzas inicia-se um período de penitência e conversão cristã muito significativo para todos os batizados e crismados. Pedir desculpa e perdão faz parte da reparação, da consciência moral de pecado e da responsabilidade pelo mal feito. O mal ou pecados, em geral, podem ser abusos, omissões, erros e injustiças intencionais e casuais, assim considerados dentro das várias pertenças dos seus autores. Estas variam, desde partidos, grupos, clubes, associações, confissões e grupos religiosos e outras pertenças. As ideologias militantes que assumem conflitos fraturantes, disputas, lutas, guerras culturais e armadas estendem-se também aos danos do passado. Deixam sofrimentos, feridas e injustiças entre povos, grupos étnicos, religiosos, igrejas e culturas.

A memória de feridas tende a esquecer e a sarar ou a ser reativada. Os pedidos de desculpa, de perdão e de reparação possível tomam sentido mais profundo nas pertenças de ofensores religiosos e cristãos. Não se limitam às dimensões e responsabilidades sociais, nem de consciência moral para com o próximo; incluem essas, mas vão até à relação e responsabilidade perante Deus. Estão neste caso os abusos sexuais de menores cometidos por pessoas da Igreja católica, como são os padres, religiosos e outros em funções de educadores. Talvez, por isso, a surpresa de a Igreja pedir que se responsabilizem os abusadores a reparar os prejuízos às vítimas, se deva considerar como coerência obrigatória com a sua missão evangélica. Compete-lhe como a S. Pedro depois da negação e escândalo, chorar e reparar o mais que pôde os danos e o mau exemplo contra os criados de Caifás, os outros apóstolos e o próprio Jesus que deu uma ajuda com as três perguntas dirigidas ao seu coração: tu amas-me, Pedro? Pedro foi fraco, teve medo, perdeu a pretensão de ser o melhor e o corajoso. Até se esqueceu que tinha recebido o nome de apóstolo, uma espécie de nomeação batismal e de Pedra fundadora. Também não tem que haver tanta surpresa por alguns batizados, de pertença católica, embora declarando que não praticam, e outros que se declaram afastados da Igreja, serem quase mais exigentes na reparação que os que mantêm a sua pertença e fé mais ativa e comprometidas com a Igreja

Nem sempre a reparação de danos e a emenda está na possibilidade dos ofensores, por fraqueza e traços patológicos, análogos aos das dependências e adições a substâncias, como os noticiários lembram com frequência. Mas isso não significa que não se deva exigir que a reparação dos danos se associe à emenda e domínio pessoal tanto nos traficantes de pessoas e nos abusadores sexuais, como nos toxicodependentes, nos dependentes do álcool, nos agressores e assassinos.

O tempo de quaresma orienta os cristãos a pedirem perdão não uma, mas muitas vezes, tal como a perdoar setenta vezes sete aos outros. O Pai Nosso é uma oração em que rezamos: perdoai-nos como nós perdoamos as ofensas a quem nos ofende, mas, também, pede para não nos deixar levar pela tentação. E no início da quaresma, Jesus é contemplado no deserto a vencer o demónio três vezes em tentações que noutros enchem o mundo de fraquezas e derrotas. Contudo, na palavra de Deus lida e ouvida na quaresma nunca se chama bem ao mal, nem se aprova o mal. Felizmente, ouve-se muitas vezes que o Senhor é clemente e compassivo e oferece sempre o seu perdão amoroso ao que se arrepende e faz tudo o que pode para se emendar.

Para si... Sugerimos também...

Deixe o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Subscreva a nossa newsletter