Opinião: abandono

 Opinião: abandono

Fiquei quase dois anos sem vir a São Paulo e eis-me aqui novamente, nesta cidade em que residi por mais de duas décadas.

Tomei um trem expresso do aeroporto para a Estação da Luz e nesta embarquei na Linha Amarela do metrô, que me deixou a cerca de dois quilômetros da casa em que permanecerei por uma semana.

Tudo por menos de um dólar.

Nos dois dias que se seguiram à minha chegada, usei o transporte público e descobri que, passado dos sessenta anos, sequer pago por ele. Basta mostrar um documento e a catraca é liberada.

Quando assomei à rua fiquei desorientado. São tantas as novas construções que demorei um pouco para ter certeza do sentido que deveria adotar na caminhada.

Prédios altos, novos e bonitos, adensando ainda mais o que já era denso. O trânsito de veículos? Ainda mais lento, a corroborar que a mobilidade urbana numa megalópole só tem solução no transporte de massa, bancado pelo governo do estado, onde hoje tem assento um dos mais promissores gestores públicos que ingressaram na política nos últimos anos.

Pelo caminho comprei alguns gêneros para a semana e segui a observar o novo e o antigo, novos e modernos estabelecimentos, permeados por construções antigas e decadentes.

Tenho o hábito de olhar para as cidades imaginando que em um século quase nada terá permanecido.

Por esta razão deploro prédios altos, porquanto projeto todos os riscos envolvidos no seu futuro desaparecimento. Acho uma insanidade a construção de prédios com dezenas de andares.

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Tenho escutado com frequência crescente a desolada desistência do Brasil. Não tem mais jeito, dizem. Não há mais o que fazer.

A corrupção, os desmandos e a indiferença pelo futuro do país nos poderes da república parecem irreversíveis e o patriotismo nosso de cada dia parece de fachada.

Escutar isto é doloroso. Muito doloroso.

Ontem, ao chegar na Estação da Luz, gravei um vídeo curto de uma massa humana que vinha em sentido contrário.

Era similar à multidão que sai de um estádio de futebol depois de um jogo grande e decisivo. A ponto de a gente se perguntar pra onde vai tanta gente, cuspida em golfadas a cada chegada dos trens.

Depois postei o vídeo num grupo de amigos e perguntei se nós, que tivemos oportunidade de estudar e de nos desenvolver, vamos abandonar este povo? Ou nos achamos diferentes e não fazemos parte dele?

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Uma das coisas mais comuns nas últimas décadas é a crítica à corrupção e às vantagens de certas categorias. Como se só houvesse larápios na gestão do país.

A gritaria tem razão de ser, ainda que muitos tenham desempenho irretocável em funções públicas. É o trigo pagando pelo joio. Muito joio e farinha pouca. Quem critica, porém, tem de ser coerente.

Defendo previdência única no país e o retorno à lei segundo a qual ninguém em função pública, em todos os poderes, pode receber mais que o presidente da república. É uma vergonha que alguns em altos cargos tenham auxílio-refeição, auxílio-creche, auxílio-moradia, … enquanto a plebe sequer sonha que isto exista.

É o cúmulo da desfaçatez. Uma aberração, um murro na fuça de milhões de brasileiros, que tais privilégios sejam absorvidos, digamos assim, pela via consuetudinária. Trata-se de uma situação que clama aos céus.

Mas quem critica não pode ter o rabo preso. Não pode defender nepotismos ou benefícios tão legais quanto escusos. Dias atrás um conhecido, sempre revoltado contra os desmandos do Brasil, revelou que estava ajudando uma irmã a pleitear pensão por conta do falecimento de seu pai, militar.

A moça é quinquagenária, mora fora do país, tem filho e marido – provavelmente sem papel passado,- e uma carreira de sucesso. Deste jeito não dá. É muita hipocrisia discurseira.

*J. B. Teixeira – Jornalista

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