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Opinião: A ilusão americana

Terminava o ano de 1893 e o livro de Eduardo Prado – cujo nome encima esta crônica,- seria lançado com sucesso instantâneo.
Um dia após o lançamento uma autoridade policial confiscou a tiragem.
Uma carroça puxada por um burro levou embora os exemplares que ainda estavam na gráfica e os portadores que já tinham a obra correram o risco de serem conduzidos à polícia.
O presidente era Floriano Peixoto, que assumira após a renúncia de Deodoro da Fonseca. Floriano entraria na história como um sujeito autoritário e o episódio tem o dom de lembrar que a liberdade de expressão nem sempre foi respeitada no Brasil, como neste momento, quando as pessoas revelam receio de se posicionar, de serem perseguidas, denunciadas e punidas por conta de suas manifestações.
Notadamente culto, Prado enriquece sua obra com citações preciosas:
“Dizia Stendhal que quando se começa a falar muito no princípio de alguma coisa é porque essa coisa já não existe. Fala-se muito hoje no Brasil em princípio de autoridade. É porque já não existe a autoridade, que foi substituída pela opressão”.
Fala-se muito nos dias que correm na defesa da democracia. Discurso frequente e aborrecido. Será que se aplica a assertiva de Stendhal?
Em “A ilusão americana” Prado critica, com substancial apoio em documentos e fatos, a ingenuidade de muitos na crença de que os Estados Unidos defenderiam direitos e liberdades nos países americanos, praticando ciosamente os preceitos da Doutrina Monroe, resumida na expressão “América para os americanos”.
Prado enumera ações, planos e omissões da política externa norte-americana em países como Peru, Honduras e Nicarágua que lançam por terra a flâmula de defensores mundo afora da democracia que os Estados Unidos ostentam.
Deixaram muitos povos pendurados no pincel. Isto sem falarmos no tal destino manifesto, crença dos norte-americanos de que possuem o divino direito de expandir seu território. Prado, porém, enaltece a liberdade de imprensa naquele país,
“imprensa que atravessou mais de um século sem a menor coerção, imprensa que, mesmo durante a tremenda guerra civil, não sofreu grandes peias nem restrições”.
Testemunha de como se deu a derrubada de D.Pedro II e a ascensão da república, menciona que
“não é uma simples banalidade a velha proposição do Montesquieu de que as repúblicas precisam ter como fundamento a virtude.
Esse foi o fundamento da república norte-americana. Será inviável e uma fonte perene de males qualquer outra república que não tiver o seu berço banhado na atmosfera da virtude cívica.
As sociedades políticas e as formas do governo precisam nascer puras para ter a vida longa e próspera. Os organismos políticos são como os organismos animais e vegetais; quanto mais perfeitos nascem e quanto mais robusta é a sua infância, mais garantias apresentam de duração.
Nunca se viu uma república nascer disforme para a vida da violência, do crime, da discórdia, da corrupção e do erro para daí se adiantar até a virtude, à paz e à verdade. (…) A podridão é própria dos túmulos e não dos berços”.
Monarquista atuante, naturalmente não contou com as graças da república, cujas mazelas denunciaria por várias formas: “A história demonstra que as repúblicas, uma vez falseadas, nunca se regeneram”.
Havemos de convir que, no estado em que se encontra o Brasil, a serem verdade tais afirmações, jogam um tonel de água gelada em nosso futuro. Segundo amigo já falecido, a solução seria parar o jogo e recomeçá-lo do zero, com novas regras.

Li “A ilusão americana” num momento particularmente curioso, quando muitos parecem colocar nas mãos da administração Trump desmedidas esperanças de que ela punirá algumas figuras brasileiras, como se estas fossem submetidas a um tribunal internacional ou nossos problemas internos demandassem uma arbitragem.
Imaginar a solução de nossos problemas pela via da terceirização não passa de melancólica demonstração de nosso despreparo. E de que segue viva no Brasil a ilusão americana.

