O Natal e o Convento de Nossa Senhora dos Cardaes
Saí de casa sem rumo à procura do espírito de Natal. Entrei num espaço comercial repleto de artigos alusivos ao Natal, alguns deles, muito bonitos. Mas o Natal não se encontrava ali! Recordei uma frase da minha neta. “O Natal não é constituído só por prendas, mas sim pelo Amor”. Continuei o meu percurso. Que procuras, questionei-me interiormente? Que desassossego! Alguém me disse: ”O Natal está nas pequenas coisas, nos pequenos gestos de Amor”. Muito bem de acordo.
E no meu caminhar deparei-me com o Convento de Nossa Senhora dos Cardaes. Entrei e fiz uma visita. Fiquei deveras surpreendida com a beleza da Igreja, que contém obras de alguns dos melhores artistas da época. Um verdadeiro tesouro inesperado com 9 painéis de grande formato em que se observam cenas da vida da Virgem Maria. Os azulejos de fabrico holandês (1686), relatando a vida de Santa Teresa de Ávila, são impressionantes. Os painéis de mármore com embutidos de diferentes cores de artistas nacionais, o arco da capela-mor com talha dourada barroca, o sacrário coberto de cabeças de anjos e outros ornatos em que sobressaem figurinhas de anjos. Recordei uma frase de S. Josemaria: “Quando puderes dá uma escapada para fazer companhia a Jesus Sacramentado, nem que seja por uns minutos. E diz-lhe-com toda a tua alma- que o amas, que queres amá-lo mais…há muitíssimo tempo quando faço a genuflexão diante do Sacrário… também dou graças aos Anjos, porque fazem continuamente a corte a Deus”.
Por uns momentos senti-me no paraíso. Que exemplar belíssimo do barroco português. Prossegui a visita em busca da enorme pintura amovível que antigamente se encontrava colocada no altar-mor, Nossa Senhora da Conceição protegendo os Santos da Ordem Carmelita. Fiquei feliz quando a vi. Durante alguns momentos apreciei a sua grandíssima beleza. Chamaram-me a atenção para o facto de a Senhora se encontrar grávida. Que magnifica representação. Chamou-me também a atenção um painel de azulejos em que se observa Nossa Senhora da Conceição a ser coroada, por dois anjos, com a coroa de Portugal, aludindo assim ao facto de ser Padroeira do Reino de Portugal. E muito mais teria para descrever. O melhor mesmo é uma outra visita a este Convento. Passo a referir um pouco da sua história e missão de bem-fazer.
O Convento de Nossa Senhora dos Cardaes foi mandado construir em 1677, por D. Luísa Távora, que herdou um vultuoso património da sua família e do seu marido, bem como uma intensa vida cristã. Após ficar viúva ingressou no Real Convento de Santos-o-Novo, que pertencia à Ordem Militar de Santiago. Pouco anos depois, solicita ao rei D. Pedro II, governador desta Ordem, a saída do Convento bem como a autorização para construir, no Recolhimento dos Cardaes, que era da sua pertença, um Convento de Carmelitas Descalças, destinado a receber uma comunidade de 21 Carmelitas. Reunidas todas as condições para a sua edificação, garantida uma renda para o sustento e uma vida digna das Carmelitas Descalças, foi autorizada a sua construção. D. Luísa, apesar de não ter professado, viveu em clausura, neste local até ao fim dos seus dias em 1692, encontrando-se aqui sepultada. No seu túmulo encontra-se o brasão dos Távoras, um dos poucos conservados em Portugal.
A comunidade de “Carmelitas Descalças” pertencia a uma Ordem de Clausura. Pela porta principal do Convento terão passado todas as freiras que aqui viveram, sendo que muitas delas não voltariam a sair desse espaço. Assim sendo, o espaço da entrada marca a transição entre o mundo exterior e o mundo espiritual. O Convento sobreviveu ao terramoto de 1755. Em 1833, com o decreto da extinção das Ordens Religiosas, o convento seria encerrado após a morte da última das Irmãs.
Data de 1861 uma lei que referia a possibilidade de solicitar ao governo a cedência a de espaços outrora conventuais, que se encontrassem livres. Em 1876 o Convento de Nossa Senhora dos Cardeais seria entregue à Associação de Nossa Senhora dos Aflitos que tinha como fim o auxílio a famílias carenciadas. A Associação, entretanto, tinha-se apercebido de que, entre essas famílias, os mais pobres e desprotegidos, eram os invisuais, em particular a população feminina. Face a este contexto, após a elaboração de todo o processo burocrático e das obras de adaptação do edifício do Convento, em 1878, com o auxílio das Irmãs Dominicanas que acautelavam o funcionamento do Convento, bem como a educação desta nova comunidade, entraram 7 invisuais de condição feminina. As irmãs dominicanas foram forçadas a deixar o Convento durante dois dias no princípio do séc. XX.
Mas reza a história que as invisuais ali internadas choravam noite e dia apelando ao seu regresso a casa, e perturbando o descanso das casas contiguas. Posto isto, o seu regresso seria autorizado sob a condição de não usarem hábito e de rezarem em voz baixa para que não fossem ouvidas no exterior. A partir de meados do século XX, as Irmãs dominicanas alargaram o âmbito de intervenção, passando a acolher utentes femininas com as mais variadas incapacidades físicas e psíquicas. Hoje em dia residem entre 35 a 40 utentes.
Constitui na verdade, um Convento vivo, que carece de diferentes apoios que ajudem a levar o seu projeto a bom porto na sua nobre missão de bem-fazer. Tive oportunidade de constatar a existência de inúmeros produtos e recordações confecionados no próprio Convento. Também um Chá de Natal Solidário. Uma exposição de Arte Solidária denominada “As Flores dos Cardaes”, vários Concertos programados, etc.
Deixei o Convento. Os desígnios de Deus são insondáveis e guiam os nossos passos. Concluo este artigo com uma frase do Papa Francisco: “O bem comum não é uma mera possibilidade mas o cimento sobre o qual construir uma sociedade justa, verdadeira e bonita…Esta é a dimensão que nos permite transformar o egoísmo em fraternidade, a indiferença em paixão, as espadas em arados e as lanças em foices”. Não deixemos de fazer uma visita ao Convento de Nossa Senhora dos Cardaes, de onde saí de coração cheio, tendo encontrado um verdadeiro sentido do Natal.