NEM MINISTÉRIO PÚBLICO NEM ADVOGADOS…

 NEM MINISTÉRIO PÚBLICO NEM ADVOGADOS…

imagem retirada de https://www.acidigital.com

Antonino Dias Reflexao
Dom Antonino Dias, bispo de Portalegre-Castelo Branco

Vamos recordar uma figura extraordinária que, segundo a história, tinha paciência de Job e resiliência de atleta olímpico. Este testemunho, se hoje interpela os mais descuidados nesse dever de ofício e causa admiração nos menos resistentes em tal serviço, leva outros, sobretudo em certos ambientes que se dizem muito à frente, a pensar que hoje já não há gente dessa, nem tampouco tal serviço é necessário. Parte-se do princípio de que, hoje, somos todos uns santinhos à espera de palmas, escultores e peanhas numa qualquer acrópole mundana, quanto mais altaneira melhor, não há pecados. Ora, em tal pose existencial, o dito é mesmo coisa dura de roer, isto é: quem disser que não tem pecados engana-se a si mesmo, e mente, a verdade não está nele (cf. 1Jo 1,8). E deveria, com certa urgência, “livrar-se das mentiras secretas com que se engana a si próprio” (SpS33). Muitas vezes fazemos o mal que não queremos e nem sempre fazemos o bem que desejamos, o pecado mora em nós, por ação e omissão (cf. Rom 7,19-20).

Os cristãos, se não perderem o sentido do pecado, arrependidos no coração e não apenas em blá-blá-blá, confiantes na misericórdia divina, confessam-se, pedem perdão humildemente. Conscientes da sua fragilidade, sabem apoiar-se na graça sacramental e mudar de vida. A conversão é um desafio permanente. Segundo o Papa Pio XII, o maior pecado do nosso tempo é ter-se perdido a noção de pecado! Quem perdeu a consciência do pecado, afirma que não há nem tem pecados e até se orgulha do mal que faz como se de virtude se tratasse. Perde-se a noção do pecado e a vergonha. Perder a vergonha, neste campo, é mesmo uma vergonha. O Papa Francisco até afirmou que o primeiro passo para uma confissão bem feita é a vergonha do próprio pecador diante de Deus. É uma graça que até se deve pedir, diz ele. Ajuda ao arrependimento e à conversão. O pecador sente mais fortemente o perdão de Deus para consigo e o dever de perdoar aos outros….

É certo que uns somos mais pestinhas do que outros e ninguém se pode iludir com as aparências, sejam aparências de “santinhos” ou de “endiabrados”. Dentre “santinhos”, “endiabrados” e assim-assim, há quem se deixe ir na onda e converta o pecado em negócio rentável, em meio deplorável e habitual de enriquecimento pessoal, sem pejo de destruir pessoas, famílias, instituições e a própria sociedade. E não é assim tão raro isso acontecer. Ainda que alguém caia em si e desista, tais casos são piores que a hidra de lerna, e cada vez mais sofisticados!… E tudo nasce no coração humano fechado no seu egoísmo e importâncias balofas. Sim, todo o pecado, quando se torna em hábito, se tem uma dimensão individual, acaba por ter uma dimensão familiar e social de terríveis consequências. Tem repercussões sociais, destrói o bem comum, muitas famílias autodestroem-se por algum dos seus membros se deixar resvalar na mundanidade e não se cuidar a tempo e horas. Assim aconteceu ao longo da História da Salvação. Mergulhado na decadência moral a que o desleixo, a má governação e o mau exemplo das autoridades civis e religiosas o levaram, o povo de Deus acabava por cair em si e reconhecer as verdadeiras causas da triste situação a que chegara. A conclusão era quase sempre a mesma: pecámos, cometemos injustiças e iniquidades, fomos rebeldes, afastamo-nos dos mandamentos e preceitos, nem o povo nem os chefes escutámos quem denunciava a situação. Neste cair em si, o povo sentia vergonha: “Sobre nós, Senhor, recai a vergonha que sentimos no rosto, pecámos contra vós (cf. Dan 9, 4-10).

Em cada tempo e lugar, qualquer crença religiosa sempre exigiu a coerência de vida, muito mais o exige a fé cristã. E a primeira expressão fundamental de coerência é a luta contra o pecado. É certo que há fatores que podem estar na origem dos desvios da conduta moral. Entre outros, a Igreja refere a ignorância a respeito de Cristo e do seu Evangelho, os maus exemplos dados pelos outros, a escravidão das paixões, a pretensão de uma mal entendida autonomia da consciência, a rejeição da formação, a falta de conversão e de caridade (cf. CIgC1792). Se, porventura, a ignorância sobre Jesus Cristo que é a plenitude da lei, for uma ignorância não culpável, há, no coração de cada pessoa, e estabelecida pela razão, uma lei natural que é universal nos seus preceitos e cuja autoridade se estende a todos os homens. Ela exprime a dignidade da pessoa e determina a base dos seus deveres e direitos fundamentais (cf. id. 1956).

A formação da consciência é tarefa para toda a vida, desde criança, sem incutir medos e sentimentos de culpa de forma tóxica e reprovável. Psiquiatras e psicólogos sabem bem quanto isto pode ser verdade. Assim como, pelo menos alguns, também reconhecem que a cura para alguns dos seus clientes, está mais em precisarem de saber e sentir que Deus os ama e lhes perdoa, do que em qualquer outra terapia. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa! A formação da consciência implica uma educação prudente que seja capaz de garantir a liberdade e a paz do coração através duma consciência reta e verdadeira, e muitos a podem ajudar a formar. No entanto, como afirmou São João Paulo II ao falar da Reconciliação, “nenhum recurso humano, técnica psicológica, ou qualquer expediente didático ou sociológico, será tão eficaz na formação das consciências cristãs; no Sacramento da Penitência atua efetivamente Deus, rico em misericórdia”. Reconhecer ou ser ajudado a reconhecer o erro, arrepender-se de o ter praticado e pedir perdão pelo mesmo, é um ato interior que só o próprio, em profunda consciência e com o sentido da sua culpabilidade e da sua confiança em Deus, se abeira d’Ele e lhe confessa: “Pequei contra vós!” (Ps 50,6). Somos muito diligentes a reclamar justiça quando somos injustiçados, não somos tão apressados em reconhecer a culpa quando somos culpados. Escondemo-nos sob dois pesos e duas medidas. O justo, porém, acusa-se a si mesmo. Nenhum agente do ministério público entra pelo seu coração adentro a escabichar nas gavetas da consciência, “o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, no qual ele se encontra a sós com Deus, cuja voz ressoa na intimidade do seu ser” (GS16). Também não tem, não precisa de advogados de acusação, muito menos de advogados de defesa. Precisa sim, da verdade de si próprio, de arrependimento, do propósito de emenda e da certeza de que Deus lhe perdoa e o ama, e faz festa! “O não reconhecimento da culpa, a ilusão de inocência não me justifica nem me salva, porque o entorpecimento da consciência, a incapacidade de reconhecer em mim o mal enquanto tal é culpa minha” (SpS33)

Como refere o papa Francisco, entrar num confessionário, não é entrar numa câmara de tortura nem a confissão deve ser encarada como uma sessão de psiquiatria, mas como um lugar onde se encontra, na alegria, o amor e o perdão de Deus. Só Deus pode perdoar os pecados, só Ele é infinitamente bom e justo, só Ele pode julgar com retidão e sem fazer acessão de pessoas. E pecados!…quem os não tem que atire a primeira pedra.

Todo esta breve introdução, como o leitor vê, é para dizer que, em 4 de agosto, celebramos a festa de São João Maria Vianney, vulgarmente conhecido como o Santo Cura d‘Ars, Padroeiro dos Párocos. Chegava a passar dezasseis horas seguidas no Confessionário. Em mais de quarenta anos de sacerdócio, o seu principal compromisso esteve ligado à Eucaristia, à Catequese e à Confissão, as verdadeiras prioridades na vida de uma Pároco. Saúdo todos os Párocos e Sacerdotes neste dia do Padroeiro. Que nenhum esmoreça na luta pela santidade e que, por entre todas as suas preocupações e tarefas, que as prioridades da sua solicitude pastoral passem pelo grande amor à Eucaristia, à Evangelização e ao Sacramento da Reconciliação.

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