Na caminhada da Quaresma. Com maiorias?

 Na caminhada da Quaresma. Com maiorias?

A vida de cada batizado torna-se uma caminhada a subir e a descer, ora muito acompanhada ora a sós com Jesus, como a que a Quaresma convida a fazer, com momentos no alto da montanha, de gozo e êxtase, e de subidas e descidas de penitência, conversão, oração e partilha.

Nestes dias, as minhas recordações associam à celebração de ação de graças das bodas de diamante de consagrado a experiências de muitos acompanhantes e de poucos e, nalgumas fases, quase só com Deus.

Jesus viveu com multidões, em festa à sua volta, na montanha das bem-aventuranças, na multiplicação do pão e na entrada em Jerusalém; e, com turbas hostis no Pretório de Pilatos. Sofreu quase a sós com três apóstolos no Jardim das Oliveiras, em oração. Na ida para o Calvário e na Cruz poucas pessoas do seu grupo estiveram ao seu lado, e só um ladrão e um centurião o reconheceram como Filho de Deus. Nas suas parábolas e encontros ora era seguido por muitos ora por poucos. Quando prometeu o seu corpo como alimento de vida eterna foi abandonado por muitos. Só um de dez leprosos lhe agradeceu a cura; de três que passaram ao lado do viajante caído nas mãos de salteadores, refere que só um o socorreu.

Será que o princípio da maioria é sempre válido nos caminhos da vida reta e sincera? Caminhar juntos, caminhar sinodal, precisa de ser completado com resposta a questões como estas: para chegar a quê, a quem e aonde? Com que fim? Com que companhia? Por alguns não quererem aceitar as suas palavras, Jesus perguntou aos apóstolos: também vos quereis ir embora?

Recordo a subida, a pé sobre a neve, da montanha Presanella, nos Alpes, de 3.558 m. Subimos juntos, ligados seis a seis em cada corda, o guia experiente na da frente. Queríamos chegar em segurança ao cimo, ao nascer do sol, antes do calor começar a derreter a neve. A vibração espiritual vivida no cimo da montanha como que nos separou do chão, nos deu a leveza de corpo e êxtase de infinito sob o azul de ar diáfano. Não surpreende que as experiências sem gravidade das naves espaciais atraiam cada vez mais aventureiros. Será que o espírito da quaresma cristã não será de um nível mais acima dessas experiências de ordem física, quando se caminha na vida com sentido de alto ideal humano e cristão?

Quando se repassam as palavras de Jesus na montanha das bem-aventuranças, o nível de leveza pedido para vida dos cristãos parece inatingível: felizes! Felizes! Contudo, subir na vida de cada dia com coerência e sentido desde a infância, na juventude, idade adulta e longevidade, custa menos quando os guias são de confiança e se convida Jesus, em cada fase, a acompanhar-nos como Ele nos convida a segui-Lo; e, principalmente, quando cada passo avança em sentido certo e com menos enganos e erros de percurso.

A vontade de acertar e a sinceridade na procura ajudam, mesmo que se tenham de fazer percursos a sós e se evitam multidões embriagadas pela ânsia de liberdades contaminadas de libertinagem e de paixões desenfreadas.   

Não sabemos se a caminhada cristã-católica, apesar de contar, hoje, cerca de mil milhões e trezentos mil atingirá maioria final. Uma questão de Jesus no Evangelho não nos sossega: o Filho do homem no fim dos tempos encontrará fé sobre a terra? Experimentamos todos os dias os muitos lobies, que se disfarçam de maiorias ruidosas e verborreicas, mas não serão maiorias autênticas apesar de se apregoarem como os donos do mundo, acima do próprio Deus.

A subida de Jesus ao Monte Tabor, com apenas três dos seus apóstolos, é central nas vivências da Quaresma e aplica-se às celebrações de bodas de todos os consagrados pelo batismo, crisma, ordenação e outros sacramentos e profissão religiosa.

Recordo que em 1985, ao celebrar os 25 anos de Sacerdote, subi o Tabor com o meu confrade Pe. Manuel Nogueira, de carro, não custou muito. Em 2010 nos 50 anos na Praça de S. Pedro, no Ano Sacerdotal, éramos 16 mil sacerdotes com Bento XVI: multidão celebrativa! Agora a vivência de longevo é mais de descida para a paixão no seguimento de Jesus. A contemplação de glória como a de S. Pedro durante a Transfiguração, envolvida em nuvem luminosa, mas com sombra (!); e a luz das palavras do Pai: Este é meu Filho, ouvi-O, faz-nos descer à planície. A visão dos dons divinos, para Pedro, em experiência de estar fora de si, levou-o a pensar que já tinha atingido a glória definitiva, esquecido do seu corpo de morte. Todos os batizados têm momentos de vanglória e ilusão de egos inflacionados, quando Jesus os acorda para a sua subida ao calvário e descida ao sepulcro. Só depois virá a ressurreição, para Ele e para nós. Os altos de alegria da vida são alternados por descidas até ao padecer e à morte como porta da ressurreição da Páscoa eterna.  

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