As Mensagens Manuscritas
Há alguns dias tive oportunidade de visitar a exposição “AD GLORIAM DEI” que pretende dar a conhecer o património histórico e artístico das irmandades de Mafra, e que se insere num já longo percurso, promovido pela Real e Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra, na senda da salvaguarda dos bens cultuais e culturais relacionados com a Basílica de Nossa Senhora e de Santo António.
O percurso documentado da atividade da Irmandade dá os seus primeiros passos no ano de 1868 quando, sob protesto, foi apresentado um abaixo- assinado em nome da Irmandade ao então monarca, D. Luís, a solicitar que o altar da Coroação da Santíssima Virgem Maria não fosse desmantelado.
A sua sobrevivência constitui hoje o testemunho físico da sua relevância artística, bem como da ação da Irmandade.
A exposição tem como primeiro objetivo apresentar e propiciar uma primeira reflexão acerca do património artístico. É constituída pela mostra de peças enquadráveis no âmbito da arte-sacra. É uma forma de arte simbólica e teocêntrica, feita para a religião, com um destino de liturgia, ou seja, o culto divino.
Estará exposta até meados de Maio. Parte deste património artístico, nos domínios da escultura, pintura, ourivesaria, medalhística e têxteis é trazido pela primeira vez ao olhar do público, sendo que o património escultórico vai muito para além das imagens expostas, a pintura conserva-se normalmente na Sala da Irmandade e as coleções das artes decorativas, surgem apenas no contexto das celebrações litúrgicas.
Na verdade, já conhecia e admirava parte das obras expostas aquando das procissões ou da Coroação de Nossa Senhora da Soledade. Achei uma ideia muito feliz e bem conseguida. Sobretudo, no que se refere ao vestido da imagem de Nossa Senhora da Soledade bem como à sua lindíssima coroa exposta, executada com donativos da população e de diversas entidades, cuja Coroação Pontifícia teve lugar em 2023, com base no privilégio concedido pelo Papa Francisco.
Também se encontravam expostos vários adornos, entre deles, uma insígnia da Real Ordem da Rainha Santa Isabel, outorgada pela Duquesa de Bragança, D. Isabel Herédia, Grã-Mestre desta Ordem, quando teve lugar o seu casamento na Basílica de Nossa Senhora e de Santo António.
Mas, sobretudo, o que mais me chamou a atenção e me sensibilizou, foram as mensagens manuscritas, já muito amareladas pelo decorrer do tempo e que foram encontradas cosidas no interior do e um dos mantos bordados a ouro. Estas mensagens terão sido cosidas no interior de um manto restaurado em 1801, e terão sido ocultadas no interior do manto pelas próprias bordadeiras, funcionárias da Cirgaria Bello, na Baixa de Lisboa, em finais do século XIX. Que ternura, que grande demostração de fé e devoção em Nossa Senhora da Soledade!
A visita foi rápida já que se fazia tarde para assistir à Santa Missa. Sentei-me perto do altar. À minha esquerda encontrava-se situado o altar de Nossa Senhora da Soledade. Nossa Mãe, que tanto sofreste, protege-nos agora e sempre! O sacerdote na sua homilia referia que precisamos da Luz da Fé a qual tem que ser pedida continuamente. “Quantas vezes terei dito interiormente: “Senhor, aumenta a minha fé, esperança e caridade!”. O sacerdote continuava: «Não é possível dizer: “Alcancei este ponto, agora paro», não pode ser, a nossa fé é frágil». Lembrei-me de outra frase a que recorro com alguma frequência: “Senhor, obrigada, perdão, ajuda-me mais”.
Olhei novamente para a imagem de Nossa Senhora da Soledade, recordando algumas palavras da oração que vem na Sua pagela: “Lembrai-vos, ó puríssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tenha recorrido à Vossa proteção, implorado o Vosso socorro fosse por Vós desamparado. Animado eu, pois, com igual confiança a Vós recorro, de Vós me valho…” Também recordei as pessoas que deixaram os seus pedidos manuscritos cosidos no interior do vestido de Nossa Senhora da Soledade com a certeza de que certamente as terá, de algum modo, ajudado. A missa entretanto termina.
Senti um enorme desejo de fazer uma rapidíssima visita ao Palácio Nacional de Mafra. Tinha prometido a mim própria que cada artigo que escrevesse até ao Natal mencionaria um Presépio. Queria cumprir a minha promessa. Solicitei um voucher na receção do Convento e subi as escadarias do Palácio a correr. Estava tão atrasada! Dirigi-me imediatamente para o local onde se encontrava exposto numa cómoda com alçado a que chamaria de maquineta, e lá dentro estava exposto um Presépio denominado “Natividade”, em madeira policromada datado de 1760 da Real Escola de Mafra.
Que beleza indescritível! Na representação da “Natividade” Nossa Senhora apresenta-nos o seu Filho, o Menino Jesus. S. José com uma mão sobre o coração e outra a mostrar o Menino Jesus. Figuram ainda em torno do Menino Jesus deitado, Santa Ana, um pastor, uma vaca e um burro, num conjunto assente numa base e integrado numa estrutura arquitetónica de cabana. Magnífico simplesmente, ou não fosse obra do famoso escultor do século XVIII, José de Almeida, que foi mestre, no desbaste do mármore, de outro famoso escultor José Machado de Castro que nos deixou igualmente obras de grande relevo, entre elas belíssimos presépios.
Ainda de acordo com as informações existentes no livro de Cadastro dos Bens do Domínio Público, o escultor João Fragoso procedeu ao restauro da peça “Natividade” tendo executado o Menino Jesus. De coração cheio voltei à Basílica para agradecer a excelente manhã que tinha vivenciado. Na verdade o trabalho desenvolvido pela Real Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra é notável. Quanto empenho, trabalho e dedicação manifestados discretamente, ao longo de séculos, em prol do Bem. Que Deus a ajude a continuar com o meritório trabalho que desenvolve. Que Nossa Senhora da Soledade a proteja sempre! Um agradecimento também a todas as entidades e pessoas que colaboraram e ajudaram a levar a exposição AD GLORIAM DEI a bom termo.