Apontamento: Não, não é justo…
Era uma destas manhãs cinzentas e abafadas, deslocava-me a pé por uma avenida de Lisboa, quando sem esperar começou a chover.
Desprevenida ocorreu-me abrigar numa esplanada e, naturalmente, sentei-me. Só havia uma mesa vaga, junto a várias mesas unidas onde se encontravam oito homens, todos conversando amigavelmente. Rondariam a casa dos oitenta anos, com bom porte, educados e sociáveis. Percebi que eram habitués naquele espaço, onde ocupavam as suas manhãs. Todos falavam um pouquinho alto, não por falta de educação mas, pelo que deduzi as suas audições já não eram tão límpidas.
Obviamente, enquanto tomava o meu café e olhava a chuva miudinha, fui ouvindo as suas conversas, não havia outra hipótese. Não falavam de futebol, nem de política, nem do tempo nem dos achaques físicos que naturalmente todos teriam.
O seu tema era a fragmentação das suas famílias, filhos divorciados, netos a divorciarem-se, confusões com os netos que eram meios filhos de cada filho. Não tinham tempo para visitar os avós, nem os pais e, quando o faziam era em passo de corrida acelerada, desprendida, sem sentimentos nem afectos. E agora, que estava a decorrer o “Rock in Rio…
Em alguma refeição de família, na mesa havia mais telemóveis do que talheres, todos muito ocupados, muito stressados, muito distantes.
“Tanto que demos aos nossos filhos, toda a nossa vida, o curso, o automóvel, o andar, tantos mimos, tanto amor, tanto sacrifício…”
Era o lamento geral, percebia-se que era sincero e sofrido.
Entre eles estava um em cadeira de rodas, este não se lamentou, tinha dificuldade em falar, mas sempre repetia: não é justo, não é justo, não é justo…
A chuva parou, eu segui o meu caminho, mas no ouvido e na alma acompanharam-me estas palavras: não é justo, não, não é justo.