Ai de mim senão evangelizar!
Era uma quinta-feira. Da Semana Santa. Estava em Caxias do Sul, berço da colonização italiana no sul do Brasil. Região da Nossa Senhora do Caravaggio, terra de devoção e trabalho.
Reza a lenda que a primeira atitude dos imigrantes alemães era a constituição de uma escola. Dos portugueses, uma venda. Dos italianos, uma igreja.
Com alguma frequência compro parafusos numa casa especializada, e destarte alguns balconistas já me conhecem.
Na última oportunidade, a moça que me atendeu, quando me despedia, desejou-me um bom feriado … Feriado? Não, moça! Feriado, não! Feliz Páscoa! É verdade, respondeu, sem maior constrangimento porque minha contestação teve um tom divertido e não de repreensão.
Filha do Vale do Caí, onde moro, migrou para a serra gaúcha há muitos anos. Casou e constituiu família por lá, terra de labor e mais oportunidades. Quando a lembrei que o Cardeal Scherer nascera perto de sua cidade natal, declinou sua raiz católica. Mas de pronto comentou que seu filho, um marmanjo, se afastara da Igreja por causa do fanatismo… Fanatismo? Sim, afinal ser obrigado a atender a Missa todos os domingos é coisa de fanático…
Não contestei. Porque tenho idade para respeitar as horas com que sou agraciado a cada dia. Instantes depois, como narrei, os votos de um bom feriado sugeriram ideias tortas.
Poderia evocar o tempo que seu filho talvez dedique ao futebol, à rede social e a outras dissipações, mas ter-me-ia associado à dissipação… Ai de mim, porém, se não evangelizar… Afinal, Paulo perdeu a cabeça, mas não perdeu o Céu.
Bento XVI pronunciou um discurso considerado célebre na Universidade de Regensburg, cujo teor encontra-se disponível no portal do Vaticano. (https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2006/september/documents/hf_ben-xvi_spe_20060912_university-regensburg.html).
Discorre sobre a deselenização da teologia, que ocasionou a separação de fé e razão, reduzindo o cristianismo a um mero subjetivismo:
“O sujeito decide, com base nas suas experiências, o que lhe parece religiosamente sustentável, e a «consciência» subjetiva torna-se em última análise a única instância ética. Desta forma, porém, o ethos e a religião perdem a sua força de criar uma comunidade e caem no âmbito da discricionariedade pessoal. Trata-se duma condição perigosa para a humanidade: constatamo-lo nas patologias que ameaçam a religião e a razão – patologias que devem necessariamente eclodir quando a razão fica a tal ponto limitada que as questões da religião e do ethos deixam de lhe dizer respeito. O que resta das tentativas de construir uma ética partindo das regras da evolução ou da psicologia e da sociologia, é simplesmente insuficiente”.
A mim parece claro que estas palavras explicam o que se vê por aí: o mais absoluto relativismo – que aliás constitui um perfeito contrassenso,- que “permite” a cada um estabelecer seu “código moral”, seu amalgamado espiritual. Já escutei de um cidadão, destes que decoram a Bíblia, que frequentou inúmeras denominações religiosas, até “encontrar-se” numa delas.
Muitos buscam prestígio, antes de ensinamentos, de transcendência. Outros buscam a aceitação de seus erros debaixo de um generoso guarda-chuva, leniente ou inculto. Tem de tudo…
Papa com cultura incomum, mesmo em se tratando de Papas, Bento XVI foi perseguido como um retrógrado, cuja timidez e simplicidade foram traços difamados como canhestros. E os inimigos da Igreja, dentre os quais pontifica o anjo decaído, tentaram desacreditá-lo, para proscrever sua imagem, e lançar no descrédito e no esquecimento sua firme atuação na defesa da Revelação, da divindade de Jesus, único mediador entre Deus e os homens, a pedra angular que “vocês, construtores, rejeitaram”.
Deixemos que o próprio Bento XVI fale uma vez mais:
“Possuir uma fé clara, segundo o Credo da Igreja, vem usualmente tachado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, ou seja, “deixar-se levar para lá e para cá por qualquer vento de doutrina”, se mostra como único comportamento digno nos tempos modernos. Assim se vai moldando uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como definitivo e que deixa como medida última apenas o próprio Eu e suas vontades”.
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Tive um colega que volta e meia dizia que, se Deus existe, poderia dar um sinal… Falava em tom irônico, quase de galhofa.
Na época eu ainda não lera “Cruzando o limiar da esperança” em que João Paulo II classifica este tipo de manifestação como agnosticismo contemporâneo e afirma que
“parece que (Deus) foi tão longe quanto era possível! Era impossível ir além! Em certo sentido, Deus foi até longe demais!. Cristo não chegou a se tornar “escândalo para os judeus, loucura para os pagãos”? (…) O homem não estava então em condição de suportar tamanha proximidade, e começaram os protestos. Este grande processo tem nomes precisos: primeiro se chamava Sinagoga e depois Islamismo. Nenhum deles pode aceitar um Deus tão humano”.
João Paulo II e Bento XVI iluminam a escuridão e ler seus documentos tem o dom de mostrar como eram alinhados.
Sabe-se que os parreirais da Europa foram praticamente dizimados pela filoxera no século XIX.
A salvação da lavoura foram as cepas que haviam sido enviadas para a América do Sul, marcadamente ao Chile. Suas réplicas retornaram ao Velho Continente, salvando o que parecia perdido.
Quando entrevistei Olavo de Carvalho, lá pelas tantas perguntei como reevangelizar a Europa e o mundo. Possivelmente a África será responsável pela reevangelização, respondeu.
Lembrei de sua previsão ao ler Robert Sarah, o Cardeal da Guiné, que parece endossar a previsão do pensador brasileiro, falecido há pouco mais de um ano.
Segundo Sarah, Deus lança mão da África para salvar o mundo, a família, a vida, os valores e a transcendência. O que pensa sobre Bento XVI? “Toda rejeição e exclusão do irmão tachado de tradicionalista é obra do diabo”.
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Volta e meia me pega de surpresa uma saudade alegre de meus pais, normalmente quando vivo situações que eles apreciavam.
Tomar umas que outras e discutir a salvação do mundo era um prato cheio para meu pai, cuja intuição era maior que sua cultura. E ele não era inculto…
Como gostaria de conviver novamente com meus tios, com meu padrinho de crisma …
Agora, quando os entenderia melhor, que os ouviria com mais atenção e proveito. Imagino como seria mágico conviver com eles agora, quando minha idade já não dista muito daquelas em que, um a um, abandonaram o mundo. Certamente manteria o mesmo respeito, a mesma reverência, o mesmo distanciamento.
Será uma antevisão do Céu? Se for, preciso merecer. Ai de mim…