A indiferença ética destrói a política e enfraquece a democracia

O MAE propõe que todos os candidatos a cargos políticos assinem uma declaração de compromissos legais e éticos para poderem aceitar a nomeação
1. O exercício da política não é imune à ética, nem se pode ter como um espaço de neutralidade axiológica, sabendo-se que a normatividade jurídica não tem o monopólio regulador da actividade política – remonta ao Direito Romano o entendimento de que “nem tudo o que é lícito é honesto” (Digesto, 50.17,144).
2. A tradição cultural europeia de matriz judaico-cristã aponta para uma dimensão ética do exercício do poder político, centrada em dez regras:
(i) O Poder é serviço e não benefício ou privilégio de quem o exerce: o governante é aquele que age para o bem comum da sociedade (Tomás de Aquino, A Monarquía, I, 1, 8 e 9);
(ii) O bem comum da sociedade ou dos cidadãos, sendo o único motivo que deve ditar as leis (Isidoro de Sevilha, Etimologías, II, 10, 6; V, 21), representa o dever fundamental do poder político;
(iii) Se o governante, desprezando o bem comum, tende antes ao seu bem privado, o regime torna-se injusto e reconduzível à tirania (Tomás de Aquino, A Monarquía, I, 3);
(iv) A justiça é o fim e o fundamento do Poder, pois “onde não há justiça não há Estado” (Agostinho, A Cidade de Deus, XIX, 21), sendo limite e fonte de deveres para os governantes;
(v) O autor da lei deve estar a ela subordinado: a lei não pode excluir do seu âmbito o próprio poder de quem a instituiu (Tomás de Aquino, Suma Teológica, I-II, q.96, a.4);
(vi) O governante deve ter como atributos a prudência, a bondade moral, a virtude e a justiça (Marsílio de Pádua, O Defensor da Paz, I, 14, §§ 3 a 6), tal como a honestidade (Erasmo de Roterdão, Elogio da Loucura, §55), nunca devendo agir por capricho (Tomás de Aquino, A Monarquía, I, 3);
(vii) O governante, uma vez que só deve pensar nos negócios públicos, não pode ter negócios privados (Erasmo de Roterdão, Elogio da Loucura, §55);
(viii) O governante deve “exigir a integridade de todos na administração e na magistratura” (Erasmo de Roterdão, Elogio da Loucura, §55);
(ix) O governante eleito, se abusar do poder, tornando-se um tirano, pode ser destituído (Tomás de Aquino, A Monarquía, I, 6), pois “o bem da maioria é maior e mais sagrado do que o de uma única pessoa” (idem, 1, 9);
(x) A maior dignidade do cargo assumido torna mais grave a iniquidade e a malvadeza da conduta do governante (idem, 1, 11).
3. Tais postulados de ética política de raiz judaico-cristã continuam hoje perfeitamente válidos, tenham a designação de ética constitucional ou de ética republicana: não há política sem ética, nem governantes legítimos sem uma dimensão ética pessoal de conduta na vida pública.
4. Num cenário de desmoronamento de mínimos éticos de conduta de governamentes e de responsáveis de altos cargos administrativos envolvendo dinheiros públicos, o Movimento Acção Ética (MAE) sublinha a importância da ética na vida política e propõe:
a) Que todos os candidatos a cargos políticos assinem, sob compromisso de honra, uma declaração em que assumam um conjunto de requisitos legais e éticos definidos para o exercício do cargo;
b) No caso de se verificar que não reúnem algumas das condições descritas nesse compromisso, deverão ser responsabilizados, renunciando automaticamente à nomeação.
5. A indiferença ética destrói a política e enfraquece a democracia. O MAE apela aos partidos políticos que promovam uma ética social e política, protegendo o prestigio das instituições públicas, preservando o valor da representatividade democrática dos titulares de cargos políticos e defendendo, deste modo, a democracia.
MAE – MOVIMENTO ACÇÃO ÉTICA
O MAE – Movimento de Acção Ética foi fundado a 1 de Janeiro de 2021, por António Bagão Félix (economista), Paulo Otero (jurista), Pedro Afonso (médico psiquiatra) e Victor Gil (médico cardiologista). Sob a divisa “Vida, Humanismo e Ciência”, o MAE é uma iniciativa cívica que visa propor abordagens, reflexões, estudos e contributos em torno das questões éticas actuais, propondo uma ética centrada na pessoa e na valorização da vida humana, combatendo a indiferença e o relativismo ético, desejando contribuir para uma maior consciencialização dos imperativos éticos e para uma ética do futuro que não seja uma ética para o futuro, mas para hoje.