Onde está o erro? Porque o Wally é mais fácil encontrar

 Onde está o erro? Porque o Wally é mais fácil encontrar
Rita Gonçalves
Rita Gonçalves, Gestora do lar e Mãe em full-time

Os professores estão na rua. Em Portugal. Na Inglaterra. No Brasil. As revindicações são variadas. Em Portugal, talvez sejam questões diluídas no todo da carreira docente e não só na remuneração em si, enquanto que, por exemplo, em Inglaterra, fiquei com a ideia que a luta seria mais pela perda de poder de compra e de qualidade de vida devido ao aumento da inflação, sem aumento de ordenados. Por lá, até os professores universitários andam na rua, bem como toda a restante função pública.

Eu também estou nestas lutas porque sempre quis ser professora. Desde que me lembro. Talvez porque tive uma professora primária incrível. Recordo-a tão bem. Chamava-se Edna Flores Rosa, açoriana. Uma senhora sempre bem arranjada, clássica e com umas mãos que eram uma elegância. Magrinhas, douradinhas, com as unhas branquinhas de tanto giz. Tinha uma caneta de tinta permanente para marcar as presenças e um papel borrão para retirar o excesso de tinta. Parece que a estou a ver agora, com tamanha delicadeza, a passar o mata-borrão e a deixar tudo impecável.

A minha professora também tinha uma régua de madeira que fazia um estrondo quando batia na secretária, também ela de madeira. Dava uns gritos de vez em quando, mas não faltava e sabia bem o rumo do seu trabalho na turma. E, quando as férias terminavam, trazia sempre coisas dos Açores para nós. Recordo ter trazido uma vez para casa um frasco com areia vulcânica, outro com pequenas pedras e um rebuçado de funcho.

Foi por causa desta senhora que sempre quis ser professora. Por causa desta senhora, esfregava as unhas com giz para igualar a brancura. Por causa desta senhora, sentava a bonecada toda no chão do quarto e começava a dar a aula. Por causa desta senhora, “obrigava” a minha avó a fazer de aluna, enquanto eu lhe lia um texto para ditado ou a ensinava a fazer contas.

Agora que não sou professora, que sou só mãe, olho para os professores que vou conhecendo e parece-me que o maior inimigo dos professores e dos diretores de escola é o próprio sistema. Numa escola, os alunos erram imenso, os pais fazem cada figura, mas mais ninguém erra. O sistema não deixa que ninguém erre, a não ser os alunos e os pais.

Há um provérbio popular que diz que “É errando que se aprende”. Talvez seja por isso que os docentes e os diretores não erram. Não estão lá para aprender. O problema dos provérbios é que há para todos os gostos, mas há ideias que se repetem de muitas e variadas maneiras “O caminho da sabedoria é não ter medo de errar”.

Na escola, um professor diz literalmente asneiras e outras cenas tristes há anos e responde-se que o senhor está quase na reforma e até tem tido muito sucesso com o ensino profissional! Na escola, uma professora tira um teste a dois alunos e deixa outros a resolvê-lo ainda mais tempo, e diz-se que não teve a perceção de que os alunos ainda não tinham acabado quando lhes retirou o teste. Tudo bem. Uma professora passa os intervalos a fumar e depois vai para a sala de aula comer e beber bongo para tirar o mau hálito. Tudo bem. Uma professora está na sala de aula a mexer no telemóvel enquanto os alunos estão a fazer uma questão de aula. Tudo bem.

Na escola, um professor falta imenso, não ajuda os alunos a perceber os conteúdos, mas depois faz teste de um momento para o outro, porque a avaliação é contínua e os alunos têm de estar sempre preparados.

Na escola, os pais são chamados para assinar mil papéis, responder a outros tantos questionários e tal, mas levam pessoas desconhecidas para a sala de aula, para falar de sexualidade e afetividade aos miúdos sem pedir autorização aos pais. Ninguém erra. É assim.

A humildade está fora de moda. Sempre que tento empregar esta palavra junto de alguém da escola, parece que têm calafrios ou que de repente ficaram a ver a preto e branco.

Estou a pensar seriamente lançar um questionário que diga o seguinte: Quantos de vós já se manifestaram em desacordo com uma situação numa escola, fundamentou a sua questão e recebeu, por parte da direção ou da diretora de turma, uma resposta do género- “Exmo. Sr. Encarregado de Educação, face ao exposto no seu mail, a direção percebeu o erro que cometeu/ o professor entendeu que errou e pede desculpa pelo sucedido.”? Alguma vez recebeu uma resposta assim?

Eu nunca recebi tal coisa. Calculo que, das três uma, ou a minha opinião estava sempre errada, ou não soube argumentar ou o errado vira certo quando é um professor ou um diretor a fazer, e então a culpa é minha, por ter incomodado quem trabalha com as minhas manias.

Pois, o grave até já nem é a culpa morrer solteira. O que me irrita mesmo e já parece prática aceite subliminarmente, é, para além de não se admitir erro, não se pedir desculpa, e ainda arranjar maneira da vítima ou vítimas passarem a ser culpadas, ou porque falaram, ou porque estão a tentar denegrir a imagem de alguém com muita experiência e anos de serviço ou porque têm intenções ocultas e tal e cenas.

Como me dizia a diretora de turma de um dos meus filhos, “eu não vou colocar a sua opinião na ata, para não melindrar a colega e o seu filho não vir a ser prejudicado”. A sério? A sério.

Até acho piada quando se promove debates nas escolas e se pinta a importância da intervenção cívica dos jovens, se estuda o texto argumentativo, mas depois nunca se permite que o aluno ou o seu encarregado de educação veja as suas queixas, quando legítimas e factuais, serem respeitadas. 

Claro está que, sendo assim, como já levo treze anos de encarregada de educação e como nunca recebi nenhuma resposta assumindo culpa seja do que for, nunca pediram desculpa de nada, só posso depreender que o melhor é estar calada e deixar a cena rolar, porque quem tem razão é quem tem o poder para a ter.

Só espero que estas greves não acabem com a mesma moral da história.

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1 Comentário

  • Onde está o erro?
    Artigo tão claro e distinto que impressiona pela rigor da análise e da sua verdade.
    Excelente trabalho fazem no vosso/nosso jornal.

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