Olhar mais Longe

 Olhar mais Longe
Maria Helena Paes
Maria Helena Paes

Saí de casa para me encontrar com a minha irmã. Quando estava a fechar a porta recordei que não tinha a chave de casa comigo. Já não fui a tempo! E agora? Telefonei ao meu filho que tem uma cópia. Encontrava-se fora de Lisboa em trabalho. Só poderia ir ter comigo ao final do dia. Fiquei preocupada. O que fazer? De repente veio-me ao pensamento a questão dos refugiados da Ucrânia. Sem casa, com um país em guerra. Vieram-me ao pensamento várias situações que tinha observado nos meios de comunicação social. Dramas verdadeiros. O meu coração chora. Como dói ver as crianças num sofrimento imenso. Vidas sofridas. Onde estão os seus risos que enchem a alma? Observei uma idosa numa cidade cercada à procura de alimentação num contentor do lixo. Tinha uma laranja na mão. Senhor, porquê a maldade do homem às vezes tão sem dó nem piedade? Capaz de grandes feitos em prol da humanidade mas também dos piores. E nesta ambivalência, fico algo consolada ao observar a enorme solidariedade e generosidade que proliferam em torno desta guerra na Ucrânia procurando, de algum modo, minimizar os seus efeitos a diferentes níveis. São inúmeros os exemplos de coragem, de fraternidade, de apoio em contraste com a destruição massiva, o massacre dos civis, a morte, a miséria… Regressei ao momento presente. Iria oferecer este dia pela paz na Ucrânia. E o dia foi excelente, graças a Deus. A minha irmã que não queria sair por se encontrar de luto, voluntariou-se para me fazer companhia. E assim, para me apoiar, consegui ver sorrisos na sua cara. Foi tão bom. Até fomos ao cinema ver um filme da sua escolha o que já não fazia há dois anos. Também tive oportunidade de fazer a visita ao Santíssimo que se encontrava exposto no Santuário da Luz, onde rezei o terço pela Ucrânia. Recordei as palavras do Cardeal Pietro Parolin: “a oração pode ter um impacto até mesmo nas situações mais humanamente desesperadas… bem-aventurados, os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus…a paz é uma característica própria de Deus…Aqueles que amam verdadeiramente a paz de Cristo, que, em meio de mil obstáculos e mil oposições, dão testemunho dela, e que, em oração, pedem diariamente ao Senhor que a verdadeira paz reine, para tornar a Terra mais misericordiosa e mais humana”. 

O meu filho, conforme combinado veio trazer a chave ao final do dia, na companhia da minha neta. Jantaram em minha casa encontrando-me bem-disposta. Temos mesmo de olhar mais longe. No dia seguinte fui tomar café com uma sobrinha, que vinha a Lisboa em trabalho e com quem já não me encontrava há algum tempo. Depois do café soube que ia passar por Belém. Que bom! Uma boleia garantida e poderíamos pôr a conversa em dia durante mais algum tempo. Saí em Belém. Para mim era difícil este passeio já que aqui não vinha há mais de um ano, depois do falecimento da minha grande amiga Manuela, vítima da doença Covid-19. Agora também da minha irmã que partiu para a Casa do Pai faz precisamente um mês. Dirigi-me ao Mosteiro dos Jerónimos, mais precisamente à belíssima Igreja de Santa Maria de Belém. Como gostava da imagem da Sagrada Família que existe nesta Igreja. Recordei que o seu nome invoca Belém, na Judeia, local onde nasceu o Salvador, um dos principais mistérios da fé cristã. Também do Oriente, chegaram a Belém os Santos Reis trazendo ouro, incenso e mirra. A história revela que a primitiva ermida foi edificada pelo Infante D. Henrique no lugar do Restelo, em meados do século XV, a que foi dada a invocação de Santa Maria de Belém. Teve particular importância no início da epopeia marítima: na véspera da partida da primeira viagem para a Índia – 8 de Julho de 1497 -, Vasco da Gama, com os outros capitães da Armada, foi rezar à Casa de Nossa Senhora da invocação de Bethelem; de igual modo Pedro Álvares Cabral assistiu à Missa na ermida henriquina, na véspera da viagem da descoberta do Brasil, em 1500. O novo Mosteiro da Ordem dos Jerónimos tomou a mesma invocação da ermida, sendo lançada a primeira pedra no dia da celebração litúrgica da Epifania. A invocação de Santa Maria de Belém, ou do Restelo, como também é invocada, ganhou uma amplitude e significado enorme neste lugar, considerado durante a época dos descobrimentos como ponto de partida para a evangelização de povos da terra distantes e de permanente e profícuo contacto entre o Ocidente e o Oriente…Torna-se impossível descrever num artigo toda a sua riquíssima história. O conjunto monumental dos Jerónimos foi classificado Património Mundial pela UNESCO em 1983. A Igreja de Santa Maria de Belém, eloquente na sua grandeza, depositária da cultura dos monges jerónimos – alma do mosteiro durante mais de três séculos – e da nossa memória histórica, mantém a sacralidade do espaço no quotidiano da Paróquia de Santa Maria de Belém.

Sentada em frente da imagem da Sagrada Família, lindamente adornada nas suas vestes majestosas, percorri os olhos pelo Boletim desta Paróquia. Chamou-me a atenção uma frase; “Rezar é deixar-se inquietar pelo grito sofredor do mundo…Ao subir o monte, Jesus reza e a transfiguração nasce da oração. Por isso, para o Papa, vale a pena perguntar o que significa hoje rezar. “Rezar é transformar a realidade”. “Não é a distância do mundo, mas a mudança do mundo”. A este ponto, o Papa citou a guerra na Ucrânia e de que modo ela estava nas nossas intenções. “Perguntemo-nos como estamos a levar na oração a guerra em curso”. Se a oração é viva, “provoca-nos continuamente para nos deixarmos inquietar pelo grito sofredor do mundo”.

Fiquei feliz com esta deslocação a Belém que me tranquilizou e encheu de paz. Mais tarde sentada em frente ao rio Tejo, pensei interiormente que a minha amiga e a minha irmã já tinham partido para a Casa do Pai acompanhadas de muita oração e da Unção dos Doentes. Estavam em paz. Agora tornava-se necessário “Olhar Mais Longe”, sem deixar de as ter presentes na oração. O grito sofredor do mundo faz-nos presentes ao essencial, deixar-nos inquietar por ele. Santa Maria de Belém, intercedei pelo fim da guerra na Ucrânia.

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