Entrevista: “O meu objetivo é que a Tigelada de Proença seja tão conhecida como a de Abrantes”

A 13 de Junho de 2019, a Câmara Municipal de Proença-a-Nova inaugurava na aldeia do Pergulho, nas instalações da antiga escola, a chamada Oficina da Tigelada. Cinco anos depois o espaço, que de pouco ou nada se ouviu falar, ganhou vida com o projeto de António Esteves, natural da aldeia e que nos últimos anos residia em Lisboa.
A agora “Fábrica da Tigelada”, que já tem a duração de 3 meses, criou o conceito de unidoses e começa a expandir-se por todo o país. A fábrica tem como missão preservar e difundir a tradição da Tigelada de Proença-a-Nova, produzida de forma artesanal em forno de lenha e com ingredientes locais. Três meses depois António Esteves faz ao Jornal de Proença um primeiro balanço, fala do futuro e garante que o seu único objetivo é fazer da Tigelada de Proença tão ou mais conhecida que a Tigelada de Abrantes.
Jornal Proença (JP) – Para quem não o conhece, quem é o António Esteves?
António Esteves (AE) – O António Esteves fez formação em Engenharia Eletromecânica, tudo haver com tigeladas (risos), sou do Pergulho e desde pequenino que tinha que comer as tigeladas. Em todas as festas havia tigeladas na mesa. A minha mãe é a Nazaré Pequito e ela fazia as tigeladas, como a maior parte das pessoas daqui. Ela esteve na Suíça, bastante anos, e voltou há 3. Voltou e fez aqui um frenesi com as tigeladas. Ela é que as fazia e dinamizava bastante a associação mantendo a tradição ao mesmo tempo que as divulgava. E com tudo isto nada melhor que voltar às origens, uma vez que estava em Lisboa.
JP – Era por ai a minha próxima questão. Se estava em Lisboa, como é que todo este processo teve início, uma vez que não era a sua área?
AE – A minha área também tem algumas facilidades em arranjar equipamentos e em colocar a fábrica em si a trabalhar. Já agora há por ai uma confusão se é fábrica ou oficina: apesar de estar escrito como “Oficina da Tigelada” no início isto era para ser uma fábrica e acabou por ficar fábrica. Depois nós queremos fazer muitas tigeladas, num processo artesanal, mas fazer muitas e chegar a muitos lados. O avançar foi o desafio e a resistência. Eu acho que a Tigelada é um produto muito bom e que o resto do país não conhece.
JP- Sentia que havia aqui uma lacuna na questão da produção das Tigeladas?
AE – Uma vez ouvi dizer que esta era a zona da Tigelada e que para ter uma era preciso encomendar e estar três dias à espera. Não era o nosso melhor mercado! Nós criámos um conceito que é a doze individual, que é para fornecer restaurantes, e eu acho que esse é que vai ser o motor da fábrica. Claro que vamos fazer Tigelas tradicionais, aquelas grandes, mas é um bocadinho mais difícil de vender, é mais inconstante. O objetivo é fazer o negócio funcionar só com Tigeladas, até porque há muitas ideias muitos produtos tradicionais, mas com isso a produção das Tigeladas ia perder-se novamente, então nós agora, durante algum tempo, vamos ver o que a Tigelada vai dar e depois, se não for suficiente, arranjar outras áreas de negócio.
JP- Há quanto tempo é que iniciou este negócio?
AE – Há 3 meses!
JP – E qual é o balanço até agora nestes primeiros três meses?
AE – Atingimos 40% do nosso primeiro objetivo.
JP – Que é?
AE – É ser sustentável e conseguir pagar os ordenados. Esse tem de ser sempre o primeiro objetivo, até porque é esse que mantém isto vivo e a funcionar. Também ainda é cedo para fazer grandes balanços até porque segundo percebi, porque não conhecia esta indústria e mercado, os meses de Janeiro e Fevereiro são meses muito fracos a nível de restauração, pelo menos é o que as pessoas dizem. E depois o doce também ainda não está implementado apesar de já termos 30 restaurantes a trabalhar conosco. Ou seja, ainda não é o doce que está na carta, há dois ou três restaurantes que já o têm na carta, decidiram e avançaram, os outros ainda estão a experimentar.
JP – Acha isso estranho? Visto que é que o doce típico do concelho….
AE – Não estou a falar dos nossos restaurantes. Aqui todos fazem! Toda a Beira Baixa tem a Tigelada. Há é uma questão económica porque quando se faz diárias eles têm que economizar. A Tigelada deles sai mais barata. Isto tem uma logística grande. Estar a fazer no forno de lenha é um processo mais moroso e sai mais caro. Então eles têm a nossa tigelada lá mas é à carta. Em Lisboa já é um conceito diferente: eles têm diárias mas a sobremesa não faz parte, ou seja quem quer comprar sobremesa paga o preço e nesses ai funciona. Já temos 2 rotas fora da região, uma está na zona do Entroncamento/Santarém e a outra está pelo Ribatejo.
JP – Nessas zonas, em que acredito que não conhecessem tão bem a nossa Tigelada, como é que foi a recepção?
AE – Eu adoro ver as pessoas a provar a Tigelada! Quem não gosta de canela, por exemplo tem uma reação menos positiva, mas é um sabor diferente, as pessoas tentam adivinhar e nunca vi nenhuma a ficar a meio e isso é muito positivo. É mais fácil entrar no negócio dos restaurantes onde os donos gostam, quando assim não é fica mais difícil.
JP – Mas segundo sei não se ficam só pelos restaurantes. Os super e hipermercados também são opção…
AE – Sim! As tigeladas grandes nós vamos manter esse circuito e ter disponíveis para as pessoas que querem comprar. Há supermercados que além das grandes até têm as doses individuais.
JP – Vocês produzem todos os dias? Como é que funciona o vosso plano de trabalho?
AE – Nós ainda temos aqui a dificuldade de não ter energia trifásica, estamos à espera que seja instalada. Nós temos aqui um túnel de congelação, temos uma câmara congeladora de frio negativo e uma câmara de frio positivo. Como não temos o batedor de temperatura, não temos ultracongelação temos que nos cingir às encomendas que temos. Ou seja, primeiro temos que verificar encomendas e depois produzir para essas encomendas. Estamos a fazer três dias de produção, não intensiva ainda, por semana.
JP – Isso em números representa quantas Tigeladas?
AE – Cerca de meio milhar por semana, das unidoses, depois temos mais algumas das grandes, há semanas em que fazemos dois fornos. Já é um número grande, já chegámos a alguns milhares de pessoas durante estes três meses.
JP – Mas é um número que espera vir a aumentar?
AE – Muito!
JP – Também segundo sei, e já o referiu, é objetivo manter a produção tradicional com produtos locais. É esse o segredo?
AE – Também! É óbvio que temos que ter alguns apoios, não se consegue fazer esta escala com uma simples batedeira ou a bater as tigeladas à mão, mas é mesmo só o que é indispensável e o segredo eu acho que é o forno de lenha. As temperaturas que fazemos no forno de lenha não é alcançável no forno elétrico.
JP – E tudo isto mexe com a economia e produtores locais, pois os ovos, o leite são de Proença certo? Tem tido esses apoios? Há matéria-prima suficiente em Proença?
AE – Sim! Proença está preparada para fazer muito mais que isto. Temos fornecedores que conseguem muito superar a escala daquilo que nós necessitamos. Apesar de tudo acho que isto é uma gota no oceano.
JP – Quando tomou a decisão de dar este passo e avançar com este projeto o que lhe disseram? Deram-lhe logo apoio?
AE – Eu estava mesmo com muita vontade de avançar até porque queria muito vir para esta zona, a vida na cidade é bastante diferente. Eu fiz muitas tigeladas com a minha mãe, mesmo durante a pré preparação do projeto, para testar para ver como funcionava, e a minha mãe deu-me todo o apoio e apoia-me sempre.
JP- A mãe é quase aqui a mentora, o braço direito…
AE – Isto acaba por ser uma homenagem a ela. Ela é uma mulher batalhadora e faz muito bem as tigeladas. A nossa receita está muito baseado aqui na receita do Pergulho, que ela sempre fez.
JP – Confirma que há essa rivalidade, saudável, entre as aldeias de qual é a melhor Tigelada?
AE – Sim! Isso houve desde sempre. Lembro-me desde cedo, e das alturas das festas, que a Tigelada do Pergulho e a Tigelada da Moita tinham muita fama. Só para termos noção na festa do ano passado venderam-se 120 Tigeladas, não é um número que se deva ignorar. 120 Tigeladas de quilo e meio é muita tigelada. É ter muita gente a vir cá comprar. E eu estou localmente, pelo menos aqui porque fora ninguém conhece, a usufruir dessa fama.
JP – Resumindo: em três meses o balanço é positiva! Quais são as perspectivas de futuro?
AE – As perspectivas é não parar! Eu quero chegar ao país inteiro. O meu objetivo, o maior de todos, é que a Tigelada de Proença-a-Nova seja tão conhecida como a de Abrantes.
JP – Já que fala nisso, a Sertã registou o seu maranho como produto IGP (Indicação Geográfica Protegida). Era importante Proença-a-Nova seguir o mesmo caminho em relação à Tigelada?
AE – Eles têm vontade de o fazer! Eu acho que a dificuldade que houve foi a quantidade de Tigeladas que se vendia. É tradição a Tigelada mas não havia volume de negócio e se eu poder contribuir com alguma coisa para isso era muito bom.