Dinheiro, ricos e dignidade dos pobres


Será que muito dinheiro modifica as pessoas?
Em 1995 a Comissão dos 500 anos do nascimento de S. João de Deus, o especialista da pobreza, Bruto da Costa, no Culturgest, em Lisboa, chocou com a resposta à pergunta: porque há pobres?
Com a resposta doutro investigador, respondeu: “porque há ricos”. Hoje diria: porque há mega ricos sem empatia pelos pobres.
Engrandecidos nos media, TV, jornais, etc., atribuem quase sempre o dinheiro ao seu talento e qualidades morais e desconsideram os de classe baixa. Não vamos cair no erro de considerar que os muito ricos são todos egoístas, insensíveis e duros para com os de estatuto social modesto e os pobres.
As investigações de psicologia social dos últimos anos, porém, têm acumulado dados que mostram que mais dinheiro leva a mais indiferença pelos outros. As heranças familiares iniciam neles o enriquecimento e a aquisição de traços de personalidades arrogantes e insensíveis às necessidades de pessoas de classe inferior, pobres e miseráveis.
O artigo notável de Lisa Miller é bastante elucidativo sobre as múltiplas investigações e conclusões da relação entre o muito dinheiro de uns e a progressiva indiferença deles face aos problemas de pobreza e da miséria que devora cada vez mais milhões de pessoas em países pobres e ricos. E não faltam indícios de que é, também, nos mega ricos que se observa mais corrupção e imoralidade, como transpiram as notícias quotidianas. Levam as sociedades humanas a manter sistemas de exclusão e abandono dos elos mais fracos e pobres. A exclusão funciona à base de antipatias e preconceitos pautados pelos níveis de dinheiro que os muito ricos acumulam para serem os mais endeusados.
O domingo da Oitava da Páscoa dedicado à misericórdia, a de Deus para com os pecadores e à dos perdoados para com outros pecadores. A primitiva comunidade cristã descrita nos Atos dos Apóstolos vivia em oração, partilha do pão, unida, dividindo os bens e o dinheiro segundo as necessidades de cada um (cf. At. 2, 43-45), quase o oposto das sociedades atuais com exceção de algumas manchas de vida humana ética e cristã a sério. Pode perguntar-se como era possível? Pela conversão cristã aceitavam a igual dignidade de todos, associada ao dom da misericórdia e perdão, recebido e dado. O Evangelho e os exemplos de Jesus mostram o “sistema social” inclusivo modelo. Constitui uma teo-antropologia, de Deus e do homem, que não deixava ninguém de fora nem roubava a dignidade humana aos mais fracos.
Neste sentido contraria tantos sistemas e teorias humanas, de direita e de esquerda, comunistas e nazistas, totalitárias ou de liberalismo selvagem, tecidas de rejeição e desprezo. Uma ideologia massifica as pessoas, a outra, à maneira de Nietzsche, exclue fracos e doentes; e inspirou outros filósofos a defender a sustentabilidade da espécie humana deixando morrer os deficientes, doentes e pobres.
As duas correntes alastraram e liquidaram mais de 100 milhões, a primeira; a outra mais de dez milhões entre judeus, doentes, deficientes e ciganos para purificar a raça ariana e deixar só os saudáveis e fortes. O Evangelho proclama que ajudar os doentes e pobres é relação de irmãos com a mesma dignidade, a quem se perdoa e ajuda.
A maior pobreza a que se sujeitam os pobres é a privação da sua dignidade humana por aqueles que os tratam sem empatia e respeito, e os considerem indignos de serem socorridos. Aqueles investigadores de psicologia social da universidade de Berkley, e doutras, têm vindo a demonstrar que se todos podem ser insensíveis às pessoas de estratos sociais mais baixos, são, no entanto, os muito ricos que sobem mais nas escalas da indiferença e frieza para com os elos mais fracos. E precisamente em proporção com o dinheiro que acumulam. Os dados impressionantes destas investigações têm antecedentes em Aristóteles, em Cristo e na história dausurários. Os males do dinheiro pelo dinheiro emergem nas questões da fuga aos impostos, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilegal e negócios sujos. Cristo foi claro: é mais fácil entrar um camelo pelo fundo de uma agulha que o um rico entrar no reino de Deus… Resta esperar que, por fim, se limpe e arrume a casa comum da humanidade e se mobile com a empatia e justiça social. Por isso, acabei de assinar um pedido ao Grupo dos 20 (G20) para que os mega ricos paguem os impostos que devem aos milhões de pobres do mundo.