“Comprar alface e cenouras”


“Nada te perturbe, nada te espante; tudo passa, Deus não muda. A paciência tudo alcança; Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta”
Santa Teresa de Ávila gostava de ler no seu livro de horas a cópia de uma série de frases tais como esta, que ela mesma tinha composto e também gostava de repetir. Sempre admirei esta santa, pelo que ouvia a seu respeito e por alguns textos seus, mas só agora tenho vindo a ler uma grande biografia sua. Foi sem dúvida uma mulher extremamente forte que muito sofreu principalmente dos que lhe eram próximos e sempre devido à inveja.
“Bem – aventurados sereis, quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Alegrai-vos e exultai, porque é grande nos Céus a vossa recompensa”. Esta passagem do Evangelho de S. Mateus (5, 11-12) aplica-se-lhe perfeitamente pois santa Teresa o que tinha em mente era a reforma do Carmelo, para alcançar melhor recolhimento e melhor adorar a Deus e acusavam-na do que hoje em dia chamaríamos protagonismo.
Mudam-se os tempos mas não se mudam as vontades, ou melhor as características dos seres humanos. A palavra inveja deriva do latim “videre”, que significa ver, o prefixo “in”, de negação, concede à inveja o significado de um “não-ver”. Santo Agostinho, em “Confissões” fala de um pequeno invejoso, que ainda não falava e olhava pálido e com o rosto amargo para o seu irmão de leite. A inveja até é sentida por uma criança tão pequena, que nem falava ainda, ao ver o irmão mamando e manifesta-se pela palidez e rosto amargo. Pode perguntar-se se o problema é o leite ou a satisfação do irmão. O olhar invejoso é um olhar distorcido, que não deixa ver. O olhar invejoso imagina que o brilho, a satisfação do outro, tira o seu próprio brilho, empalidece-o e transforma as suas feições, como descreve Santo Agostinho. Estas mudanças no rosto reflectem que o bem alheio faz sofrer o invejoso. O prazer ou o sucesso do semelhante traz ao invejoso o sentimento de ser tirado do lugar onde imagina que deveria estar.
Se nos convencermos que nada temos e tudo é de Deus nunca poderemos ser invejosos, pois Deus a todos bafejou com características ou qualidades próprias e tal como santa Teresa dizia, quem a Deus tem nada lhe falta. Não nos podemos perturbar com o brilho, o sucesso, ou o bem dos outros, antes nos deveríamos alegrar. Pensando em generosidade, como o oposto de inveja, não posso deixar de mencionar duas colegas de profissão, que no mês de Janeiro partiram para a casa do Pai. Foram mulheres simples, embora muito cultas e sempre prontas a ajudar. Nos momentos de grande sofrimento diziam que o que era preciso era agradecer a Deus. Deixaram rasto, não por acções espectaculares mas pelo dever cumprido como mulheres, mães, professoras e amigas. Na cama de hospital, a Teresa, assim se chamava uma delas, nunca deixou de agradecer, como nos disse um padre que ali a conheceu, e não podia deixar de testemunhar o alento que a todos dava. Sempre a lembrarei alegre e feliz, a dizer que quando discutiu a tese de doutoramento lhe deu uma imensa vontade de rir pois tinha escrito num pé de página “comprar alface e cenouras”.
Que todos os exemplos de generosidade que vamos conhecendo nos façam reconhecer que qualquer um que se eleve eleva o mundo.