Churchill, o “vira-casacas” que salvou o mundo?

 Churchill, o “vira-casacas” que salvou o mundo?
Paulo Freitas do Amaral, professor de história

Há uma superstição enraizada em Portugal que condena quem muda de partido à desonra eterna.

A política é vista como uma réplica séria de um Sporting-Benfica, onde a fidelidade à camisola é mais importante do que a qualidade do jogo.

Essa leitura infantilizada cai por terra quando a História nos recorda que um dos maiores políticos de sempre, Winston Churchill, não só mudou de partido como voltou atrás e ainda venceu eleições.

O percurso de Churchill mostra um pragmatismo raro, sobretudo quando comparado com a rigidez tribal que domina o sistema português.

Começou como conservador, aderiu aos liberais, percebeu que estes caminhavam para a irrelevância e regressou aos conservadores.

Essa dança política não lhe retirou credibilidade. Pelo contrário, deu-lhe estatuto de estadista capaz de adaptar-se às circunstâncias e de colocar o destino do país acima da fidelidade partidária.

Churchill não via a política como uma guerra de claques. Via-a como uma luta pela sobrevivência de valores fundamentais.

O facto de ter derrotado Hitler, depois de tantas voltas partidárias, prova que grandeza política não se confunde com disciplina de bancada.

Grandeza política mede-se na capacidade de agir em nome do interesse nacional, mesmo que isso implique trocar de lado quando o campo político se torna estéril.

Ironias da vida de Churchill servem bem para expor o atraso mental de quem confunde partidos com clubes.

O mesmo homem que, no início dos anos 30, foi ridicularizado como um político falhado regressou ao poder em 1940 e tornou-se o símbolo da resistência ao nazismo.

Em Portugal, uma carreira assim teria terminado ao primeiro ziguezague. Não haveria lugar para redenções, apenas a condenação eterna na praça pública dos fiéis ao emblema.

Outro detalhe que desarma qualquer purista partidário é o Prémio Nobel da Literatura que Churchill recebeu.

O homem que mudava de partido como quem muda de casaco escreveu obras históricas que ainda hoje são lidas em universidades.

Em Portugal, qualquer político que ouse ter cultura literária é olhado com desconfiança.

É visto como alguém que devia dedicar-se à poesia em vez de estragar o jogo tático da intriga partidária.

E que dizer da ironia de Churchill ter sido afastado do poder em 1945, precisamente depois de ganhar a guerra.

O povo britânico reconheceu-lhe a glória militar, mas quis reformas sociais. Churchill perdeu, engoliu a derrota e voltou a ganhar eleições anos mais tarde.

Em Portugal, a simples hipótese de alguém perder e regressar seria tratada como um atentado ao regime. A política nacional prefere eternizar líderes esgotados em congressos e concílios de facções.

A lição de Churchill é clara. A política não se reduz a claques barulhentas nem a fidelidades automáticas.

A política é o espaço onde se mede a coragem de mudar quando as circunstâncias exigem mudança.

Portugal continua a viver aprisionado por um sistema político caducado, dominado por entricheirados partidários que confundem convicção com fanatismo e estabilidade com imobilismo.

Churchill teria sido varrido daqui ao primeiro passo fora da linha. Talvez por isso estejamos condenados a viver sem Churchills e apenas com claques organizadas.

*Paulo Freitas do Amaral, Professor, Historiador e Autor

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