Cartas a Guiomar: POST-SCRIPTUM

 Cartas a Guiomar: POST-SCRIPTUM

Imagem retirada de https://diocese-sjc.org.br/

A Sagrada Escritura e a arte

Querida Guiomar,

Só mais uma palavrinha.

O catolicismo não é uma religião do Livro; é uma religião da Palavra: da Sagrada Escritura e da Tradição Apostólica. A Sagrada Escritura é composta por dois grandes grupos de livros: o Antigo Testamento e o Novo Testamento.

Fazem parte do Antigo Testamento os quarenta e seis livros que relatam a relação de Deus com o povo eleito (os judeus), desde a criação, passando pela aliança com Noé, a escolha de Abraão, a libertação do Egipto e a entrega das Tábuas da Lei a Moisés, até à instalação do povo eleito na Palestina e posteriores vicissitudes.

Do Novo Testamento, que é constituído por vinte e sete livros, fazem parte:

  • * os quatro evangelhos (de São Mateus, São Marcos, São Lucas e São João), que narram o essencial da vida de Jesus
  • * os Actos dos Apóstolos (também de São Lucas), que narram os últimos episódios da vida de Jesus e a vida da Igreja primitiva
  • * treze cartas de São Paulo a diversas comunidades cristãs e a cristãos individuais
  • * a carta aos hebreus, cuja autoria se ignora
  • * uma carta de São Tiago
  • * duas cartas de São Pedro
  • * três cartas de São João
  • * uma carta de São Judas (Tadeu)
  • * o Livro do Apocalipse (também escrito por São João).

Tanto o Antigo como o Novo Testamento fazem parte da Bíblia cristã (são ambos lidos na Santa Missa); o Antigo prepara a vinda do Messias e o Novo expõe definitivamente, com a encarnação do Verbo, toda a verdade da revelação divina.

O autor principal da Sagrada Escritura é Deus; foi o Espírito Santo que inspirou os autores humanos dos livros sagrados (como dizemos no Credo). Mas, como se trata de livros escritos por homens, e escritos ao longo de mais de dez séculos, é preciso ter em conta, ao ler a Escritura, as épocas, as culturas e os diversos estilos literários; ou seja, a Sagrada Escritura não pode ser lida à letra, tem de ser interpretada. Esta interpretação – que tem de ser feita com o mesmo Espírito com que os livros foram escritos – compete exclusivamente à Igreja, que é a intérprete autorizada da Palavra de Deus; a Igreja exerce este ofício, não em nome próprio (porque a Igreja não faz nada em seu próprio nome), mas em nome de Cristo. A interpretação das Escrituras tem de ser conforme com a Tradição Apostólica, que é a transmissão do evangelho pelos primeiros apóstolos, em cumprimento de um mandato expresso de Cristo à primeira geração de cristãos, e depois pela primeira geração de cristãos à segunda, e assim sucessivamente até aos nossos dias.

Um dos aspectos complexos dos evangelhos é o facto de neles figurarem várias pessoas com o mesmo nome. Assim, temos dois apóstolos chamados Judas: um Iscariotes e outro Tadeu; o primeiro traiu Jesus, o segundo manteve-se fiel. Temos dois João: São João Baptista, que era primo de Jesus e foi decepado por Herodes ainda em vida do Salvador (e não deixou nada escrito); e São João evangelista, que era o apóstolo mais jovem (o que Jesus amava) e o único que não morreu martirizado (esteve exilado na ilha de Patmos, na Grécia, e morreu muito velhinho), e a quem é atribuída a autoria de diversos textos do Novo Testamento (o quarto evangelho, três cartas e o Apocalipse).

É uma sorte incrível pertencer à Igreja, não me canso de o repetir. Basta pensar que somos membros de uma instituição fundada pelo próprio Deus sobre o sangue do Seu Filho, e que somos a única instituição que possui os meios seguros para a salvação. Mas a Igreja possui também, material ou espiritualmente, uma quantidade incomparável de tesouros de natureza artística, que são um orgulho para nós. Digo material ou espiritualmente, porque aquilo que não nos pertence de facto foi no entanto inspirado por nós e criado por uma cultura que foi, do ponto de vista artístico, maioritariamente cristã durante uma data de séculos (e que, embora insista teimosamente em afastar essa filiação, a mantém em boa parte das suas melhores práticas – mas isso é outro assunto).

Com efeito, é difícil percorrer as grandes cidades e as pequenas aldeias da Europa, da América e da Oceânia (mas também muitas da Ásia e principalmente de África) sem encontrar expressões marcantes e belíssimas da arte de inspiração cristã. Catedrais imponentes, santuários acolhedores e capelinhas discretas, frágeis vitrais de beleza incomparável, esculturas deslumbrantes no interior e no exterior de igrejas e monumentos, guardadas em museus ou exibidas em nichos quase escondidos, no meio do trânsito, milhares de quadros de cortar a respiração sobre os mais diversos temas bíblicos e históricos, apresentados à devoção dos fiéis ou expostos à análise dos apreciadores, técnicas inventadas para comunicar o dramatismo e a força das imagens – a arquitectura, a pintura, a escultura, as belas-artes em geral teriam sido completamente diferentes se não fosse o cristianismo. Já para não falar dos objectos artísticos exclusivamente religiosos, como os paramentos, os cálices, os relicários ou os ostensórios, quase todos de uma elegância e uma finura artísticas sem igual.

Também a literatura se encontra, desde muito cedo e até ao presente, intensamente marcada por temas cristãos, e o teatro e o cinema ficaram a dever obras esplêndidas à inspiração cristã. Já para não falar da música, que nasceu e se desenvolveu em contextos eclesiais, que foi e continua a ser, nas suas formas mais sublimes, uma misteriosa expressão da inspiração e da presença do divino em nós. Estamos tão mergulhados no mar da beleza cristã, que a respiramos como o ar que nos entra nos pulmões, sem dela quase nos apercebermos; mas, se ela não existisse, a nossa vida seria imensamente mais pobre, mais feia, mais séria, mais triste.

*Maria José Figueiredo

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