Quem disse que não são contas do seu rosário?

 Quem disse que não são contas do seu rosário?

Dom Antonino Dias, bispo de Portalegre-Castelo Branco

Avanço tecnológico, acesso à informação, integração global, inteligência artificial, mobilidade constante, diversidade cultural, participação cívica, capacidade de mobilizar para causas sociais, são caraterísticas do nosso tempo.

Escrevendo assim, poupo o leitor àquele chorrilho de coisas e loisas negativas com que tantas vezes se define a pessoa e a sociedade de hoje.

Não sei se isso acontece por demasiado pessimismo, se para embelezar o discurso, se para fazer passar a ideia de que não se está em jejum em tais análises sociológicas, se, dado o tema a desenvolver, tem mesmo de ser.

O povo diz que não se deve bater no ceguinho, mesmo que o ceguinho não seja cego mas prefira não ver.

Alguém me dirá que isso não são contas do meu rosário, que não tenho nada a ver com isso, que me estou a meter onde não sou chamado.

Admito, e podem crer que não vou prender o burrinho por causa disso, nem sair da sala, nem esgrimir argumentos para subir ao pódio.

Mas entendo que há dimensões da vida que são mesmo contas do rosário de cada um, ainda que se possa pensar que, de facto, não são.

Vou lembrar duas dessas dimensões que, quando há verdade e não meros preconceitos, cada vez gostam mais de andar juntas, de mãos dadas: espiritualidade, progresso e missão, quando andam de mãos dadas, ajudam-se mutuamente.

A primeira é de la palisse, é para recordar que estamos no mês de Outubro.

O leitor sabe que sim, pois não anda assim tão distraído. Não é tanto de la palisse, porém, dizer-se que o mês de outubro é o mês do Rosário!

A secular história do Rosário é digna de registo. Por mais que se queira completar, nunca está terminada a lista dos seus admiráveis efeitos e benefícios.

No próximo dia 7, Festa de Nossa Senhora do Rosário, crianças de todo o mundo vão unir-se na oração do terço pela paz, sob a iniciativa “Um Milhão de Crianças rezam o Terço”, desafiando cada pessoa, cada família e cada comunidade cristã a associar-se à iniciativa, pois quem reza faz a diferença.

Há quem diga que a oração do Terço é monótono. Será mesmo ou seremos nós que o não sabemos tornar dinâmico, variado e interessante?

Há quem diga que é uma seca. Será mesmo ou seremos nós que estamos tão secos tão secos tão secos que já nem a água-viva penetra em nós para que floresçamos e dêmos fruto?

Há quem diga que se distrai muito quando o reza. Mas, não é verdade que só se distrai na oração quem reza?

Há quem diga que é oração apenas para gente idosa. Mas não foi a crianças que a Senhora pediu que rezassem o terço todos os dias?

No decorrer dos séculos, a oração do Rosário foi sempre proposta e valorizada como “um verdadeiro tesouro a descobrir”.

Nossa Senhora, em Fátima, em todas as Aparições, insistiu nela e disse para quê: “Rezem o Terço todos os dias para alcançarem a paz para o mundo e o fim da guerra”.

Pobres e ricos, sábios e ignorantes, grandes e pequenos, crianças e jovens, idosos e doentes, todos o podem rezar.

Dizia a Irmã Lúcia que “depois da oração litúrgica do Santo Sacrifício da Missa, a oração do santo Rosário ou Terço, pela origem e sublimidade das orações que o compõem e pelos mistérios da Redenção que recordamos e meditamos em cada dezena, é a oração mais agradável que podemos oferecer a Deus e de maior proveito para as nossas almas. Se assim não fosse, Nossa Senhora não o teria recomendado com tanta insistência”.

Os Papas não se têm cansado de falar sobre a importância da oração do Terço. Francisco afirmou que sempre que rezamos o Terço “o Evangelho retoma o seu caminho na vida de cada um, das famílias, dos povos e do mundo”.

Rezá-lo e ensiná-lo a rezar, individualmente e em família, é gosto de cada cristão, são contas do seu rosário!

É um ato de fé e gratidão, reúne a família e a comunidade, gera paz interior, mantém a fé e a esperança bem acesas.

Quem tem o dever de educar e evangelizar não pode entender que a necessidade de oração e a espiritualidade são realidades adquiridas.

Não são, mesmo que alguém diga que até fez o percurso da catequese até ao fim, até à celebração do Crisma.

A experiência diz-nos que não é bem assim. O próprio Crisma, para muitos, é, infelizmente, uma espécie de festa de finalistas!

Como afirmou Ratzinger, “tudo procede dentro da normalidade, mas na realidade a fé vai-se deteriorando e degenerando na mesquinhez”.

Apresento ainda outra dimensão da vida que também deve fazer parte das contas do rosário de cada um. O mês de Outubro é o mês das Missões. Cada um é missão, somos missão.

A missão não é apenas tarefa de alguns, é vocação de todo o batizado. Ser batizado é ser missão, é ser de Deus, é amar como Deus.

E Deus enviou o seu Filho Jesus Cristo para dar a sua vida por nós. Por sua vez, Jesus, tendo cumprido a sua missão, enviou-nos em seu nome como Ele tinha sido enviado pelo Pai.

Ser cristão é sentir-se enviado, é ter um coração disponível e cheio de Deus para ir por todo o mundo, semeando a esperança alicerçada na fé e no amor.

E esse ir por todo o mundo começa em nós mesmos: “Meu caminho é por mim fora, até chegar ao fim de mim e encontrar-me com Deus” escreveu Sebastião da Gama; começa em casa de cada um, nesse porto seguro de amor e de paz mesmo por entre imperfeições, pois a família é uma pequenina igreja doméstica onde todos se vão evangelizando, servindo e amando cada vez mais na alegria e na esperança; continua na paróquia e na diocese, comunidades de fé e centro de vida espiritual, provendo os sacramentos, a cultura da fé e a caridade fraterna, contando com a participação, o estimulo e o apoio de cada um também na partilha para as suas atividades, para o culto e os serviços ministeriais.

E a missão vai-se alargando conforme a disponibilidade e circunstâncias de cada um e das próprias famílias e comunidades cristãs. Como lemos na Evangelii Gaudium, n.º 86, no mundo de hoje, há inúmeros sinais da sede de Deus, do sentido último da vida, ainda que muitas vezes expressos implícita ou negativamente.

Todos somos chamados a ser pessoas-cântaro para dar de beber a todos, mesmo que o cântaro, por vezes, se torne numa pesada cruz.

Foi precisamente na Cruz que o Senhor, trespassado, se nos entregou como fonte de água-viva.

*Dom Antonino Dias, bispo de Portalegre-Castelo Branco, 03-10-2025.

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