Do nascer da árvore ao memorial da vergonha
21 de Março é o dia mundial da árvore e da floresta. Depois deste dia, a floresta só é lembrada quando há incêndios e quando as finanças cobram o IMI. Rara terá sido a criança que uma vez na vida não plantou neste dia uma árvore. Infelizmente, mais rara terá sido a escola que ensinou a criança a tratar dessa mesma árvore ao longo da sua vida. Plantar uma árvore é fácil, tão fácil como ficar bem na fotografia do ambientalismo. Mais difícil, e menos interessante, é cuidar da árvore plantada.
Por muitas razões, a floresta é indiscutivelmente imprescindível à nossa sobrevivência. Se para os meios urbanos o seu valor é essencialmente ecológico, para o interior é uma questão de sobrevivência económica. Além do insubstituível valor para todo o nosso ecossistema, dela dependem milhares de empregos. É da floresta que “sobrevive” uma grande parte da população que habita neste pré-deserto ibérico.
Então porque continua tão abandonada e desprezada por todos? Porque arde cada vez mais e com mais violência? Que futuro está reservado à floresta e a todo o ecossistema que dela depende?
Fomos nos últimos anos confrontados com enormes incêndios. As tragédias são de todos conhecidos e dificilmente esqueceremos 2017. Menos trágicos em vidas humanas, mas igualmente contundentes em perda material tivemos 2019 e 2020. Com maior ou menor responsabilidade todos somos culpados. Do pequeno “velho do restelo” que não percebe, ou não quer perceber, que a realidade de hoje é diferente dos anos passados em que um pinhal era tratado com o zelo próprio de um jardim. Dos ambientalistas que buscam energia “limpa” a qualquer preço, nem que as novas centrais de biomassa só sejam rentáveis a funcionar com madeira queimada. Do Ministério do Ambiente que para satisfazer interesses nublados autoriza abater centenas de animais para instalar painéis fotovoltaicos em área tipicamente florestal. Dos políticos a quem compete traçar um rumo, indicar um caminho, definir uma orientação e por desleixo, incompetência ou por pura opção nada fazem.
Talvez porque a consciência é pesada, e o socialismo teima em resolver os problemas atirando-lhes o dinheiro que outros irão pagar, propõem-se a construir um memorial de homenagem às vítimas que nos vai custar 1.8 milhões de euros. A única homenagem que dignifica a memória das vítimas é fazer algo pela floresta para evitar tragédias futuras. Construir uma floresta mais segura e mais sustentável para que novas tragédias não se repitam. Se nada disto for feito, e nada foi feito ainda, qualquer memorial que se construa será um memorial à vergonha. Não haja ilusões, enquanto não houver um plano de ordenamento da floresta sério e responsável, as tragédias repetir-se-ão. 1.8 M€ era um bom começo. Esbanjar dinheiro desta forma é um grave crime hediondo.
As medidas tomadas pela administração central perdem-se entre gabinetes e assessores pois vir para o terreno não é coisa para doutores. Ainda assim, destacam-se duas ou três medidas:
A única verdadeiramente útil, é talvez a criação do Bupi. Peca por tardia.
Nos últimos anos foram criadas pelo país fora dezenas de esquipas de sapadores florestais, infelizmente muitas delas nunca foram além de solução para a extinção dos velhos cantoneiros.
É, no entanto, a proibição de “algumas” novas plantações de eucalipto, sem que se tenha apresentado qualquer alternativa, a medida que porventura mais problemas nos trará no futuro.
O português a quem ainda resta um pouco de ânimo, encurralado entre as leis desconexas e a vontade de arriscar novamente para ter alguma rentabilidade das suas já de si pequenas e desordenadas parcelas, começou a plantar eucaliptos à socapa como contrabando escondido na vegetação, transformando a floresta num barril de pólvora ainda mais descontrolado, ainda mais pobre, ainda mais perigosa.
Escrevi estas linhas tendo como vista um pouco de floresta que escapou às últimas tragédias. Não, não vejo uma paisagem sorridente. Vejo uma floresta viva sim, tão viva como um prisioneiro de Auschwitz. Um prisioneiro que aguarda em agonia a sua vez de entrar no crematório.
João Paulo Marrocano