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A BELEZA IMPORTA


Final de ano, tempo para relaxar e recuperar o fôlego que esgotamos no cotidiano. O barulho do mar complementa o que talvez falte numa taça de vinho. Caminhadas no fim de tarde me fazem lembrar de arrebol, palavra que aprendi com um poeta de versos amadurecidos, cujo final de vida acompanhei de perto. Seu último suspiro deu-se num hospital da periferia paulistana, cuja UTI era franqueada a um falsário que se dizia bispo, iludindo doentes e familiares. Diria que foi expulso de um seminário, onde aprendeu algumas orações em latim. “Dominus vobiscum”, dizia com falsas autoridade e pompa, que buscavam legitimidade em vestes pretensamente episcopais. Viúvas e órfãos caíram na cantilena, mas desconheço o fim que levou.
Dias mais livres, estamos a três dias da virada. Fico sabendo, pelo áudio que recebo diariamente de Dom Paulo – Bispo admirável da Igreja,- que hoje celebramos os Santos Inocentes, recordando as crianças que foram sacrificadas a mando de Herodes. Receando perder o cetro, determinou que todas as crianças com até dois anos fossem mortas. Teria eliminado Jesus, se este não estivesse no exílio. Atendendo a recomendação do Anjo, José só retornaria do Egito depois da morte de Herodes.
O poder pelo qual Herodes tanto bateu-se, escapou-lhe com o fim de seus dias. Tivessem isto em mente, os poderosos talvez mitigassem sua ganância, responsável pelo sofrimento e morte de inocentes mundo afora. Há quem afirme que os mentores de uma nova ordem mundial estão a labutar pela diminuição da população planetária. Não matariam, mas impediriam nascimentos. Entre eles, se existem, devem sentir-se em casa os que defendem o aborto. Se Herodes eliminou dezenas, centenas ou milhares, o aborto responde anualmente por milhões de mortes.
Segundo a Organização Mundial da Saúde – esta mesmo que elevou-se ao protagonismo em tempos de pandemia,- entre 2010 e 2014 o mundo testemunhou cinquenta e cinco milhões de abortos. Se isto não configura um genocídio, preciso revisar meu vocabulário. Não, não trairei o verdadeiro significado da palavra, veneno que o mundo consome sem reação. A tal Organização Mundial da Saúde patrocinou a obra “Safe abortion: technical and policy guidance for health systems”. Como num passe de mágica, matar inocentes se homizia no palavreado “saúde reprodutiva”. Obtive o texto na íntegra, eis que encontra-se disponível na rede mundial. Um primor de cinismo sob o manto “saúde”, dá instruções sobre aspiração manual intrauterina, aspiração elétrica a vácuo e outros cascalhos, vendidos como pedras preciosas.
Num período em que profissionalmente quase nada acontece, algumas coisas funcionam com a precisão suíça: as contas não param de chegar. Com o escoar das horas que nos separam do novo ano, a capacidade de observação parece aumentar. Olho no derredor e um filme passa na tela da memória. No passado não muito distante as mulheres tricotavam. Agora manejam celulares, como se tricotassem, mas o que gerava pelo menos uma touca ou um par de meias, agora gera apenas entretenimento. Teriam igualado os homens na dissipação do tempo?
Há muito cresce em mim a convicção de que empobrecemos, a despeito dos avanços da técnica. A ideia começou como uma suspeita, sem um alicerce. Tornou-se uma certeza, sem contudo que soubesse explicar causas e efeitos. O que utilizamos hoje não passava de ficção na juventude, como os objetos de nosso cotidiano, dignos dos filmes de espionagem, mas o que sonhamos não tem poesia. O sal não perdeu seu sabor, mas não o procuramos mais.

Eis que neste final de ano assisti “Why beauty matters” (Por que a beleza importa), de Roger Scruton. filósofo e escritor. Lembra que a beleza nos conecta com algo superior. Que a humanidade tem optado pela feiura e que, ao virar as costas para a beleza, ingressa num deserto espiritual. Tornou-se um conservador ao presenciar as arruaças de 1968 em Paris: “De repente percebi que estava do outro lado. O que eu vi foi uma multidão rebelde desordenada de hooligans autoindulgentes de classe média alta. Quando eu perguntei aos meus colegas o que eles queriam, o que eles estavam tentando alcançar, tudo o que eu recebi de volta foi um ridículo discurso marxista nonsense. Fiquei enojado com isso e pensei que poderia haver um caminho de volta para a defesa da civilização ocidental contra esse tipo de coisa. Foi quando eu me tornei um conservador. Eu sabia que queria conservar as coisas ao invés de destruí-las”. Com noites bem dormidas, dias de paz e fé, não poderia encerrar melhor o ano. Que venha a virada.

