Vem, Espírito Santo, à Igreja

 Vem, Espírito Santo, à Igreja

Há muita sabedoria nas imagens que a Bíblia usa. Uma das imagens iniciais tem a ver com a criação do Ser Humano, do primeiro Adão, do primeiro terrestre.

Diz-se que Deus, à maneira de um escultor, constrói um ser de argila e viu-o. Era um ser que tinha a perfeição material, mas a quem faltava vida. Por isso, Deus soprou de modo que pudesse tornar-se, não só matéria, mas vida, um ser vivo sobre este mundo, com tudo o que isso significa.

Sem cair em dicotomias fáceis, sentimo-lo e vivemo-lo nós próprios na nossa experiência. Sentimos que há uma materialidade na vida, no corpo que somos, naquilo de que precisamos para a vida.

Há materialidade, somos matéria. Mas ao mesmo tempo não somos só isto, somos mais, uma outra coisa, uma respiração, um mistério que para além da matéria é espiritual, é puramente espiritual; é puramente vida.

E é esta respiração associada à matéria que torna surpreendente este milagre que somos, esta coisa maravilhosa que é o mistério da vida, que é o ser humano que nunca cessa de espantar. Como se diz ao início da “Antígona” de Sófocles:

«Há muitas coisas extraordinárias no mundo, mas não há nada de mais surpreendente que o ser humano».

Sófocles

E, com efeito, temos este espanto por ter descoberto em nós não só uma dimensão que tem a ver com este mundo, que é terrestre, que é material, que é mortal; descobrimos em nós uma respiração espiritual. O mesmo acontece com a Igreja.

O que é a Igreja? Podemos descrevê-la do exterior, sociologicamente, e dizer: a Igreja é uma sociedade. Neste sentido dir-se-ia que fazemos parte de uma pequena sociedade, de pessoas que se reconhecem, que têm laços recíprocos, que mantêm rituais entre elas, em que existe uma hierarquia que dá a esta sociedade unidade, orientação e doutrina.

Vista do exterior, a Igreja é muitas vezes analisada principalmente deste modo.

A Igreja tem uma dimensão institucional, porque é composta de mulheres e homens, mas a Igreja tem principalmente uma natureza carismática.

Quer dizer que a Igreja não é só esta associação visível, que somos capazes de descrever, mas a Igreja é este mistério de relação, de revelação, de viagem, de peregrinação que cada um de nós está a fazer assistido pelo Espírito Santo.

É necessário escutar aquilo que diz o Espírito Santo, a partir de cada um, para compreender o que é a Igreja.

Em cada um de nós o Espírito Santo atua, com uma imaginação divina, com uma criatividade de amor, suscita um impulso, um desejo, uma inquietação, um mal-estar, uma insatisfação, um querer mais, um desejo de fazer, de transformar, a vontade de correr riscos, de ir além.

É o Espírito que nos impulsiona a tornarmo-nos cristãos originais, verdadeiros, felizes. E em cada um de nós o Espírito fala, o Espírito fala!

Por este motivo, as todas imagens eclesiológicas que S. Paulo usa seguem esta linha. Diz:

«A Igreja é um corpo, e o corpo tem muitos membros, e todos os membros são necessários. E a mão não pode dizer ao pé: “Não preciso de ti”». Não, precisamos de todos. E por que precisamos de todos? Porque somos uma realidade pneumática, somos uma realidade carismática, somos uma realidade que é uma associação de dons. Reforçamo-nos, uns aos outros, neste caminho que é movido pelo Espírito Santo. Devemos escutar o Espírito Santo, devemos dizer ao Espírito Santo: «Vem!». Devemos contar mais com Ele, contar com a sua ajuda. S. Paulo diz, por exemplo: «Nós não sabemos como rezar, é o Espírito Santo que vem em auxílio da nossa fragilidade, e grita dentro de nós, com suspiros inefáveis: “Abbá, Pai!”. Por isso, quando rezo, não sou eu que rezo sozinho, é o Espírito Santo que em mim se une àminha fragilidade para chamar a Deus “Pai”».

E nas outras dimensões da nossa vida somos também uma consequência do Espírito Santo. Um cristão é uma criação do Espírito Santo.

Portanto, não podemos ser como aqueles cristãos na Samaria: quando Pedro chegou, perguntou-lhes: «Que batismo recebestes?». E eles responderam: «Nem sequer sabemos que há um Espírito Santo».

E a verdade é que muitas vezes nem sequer sabemos que existe um Espírito Santo. Há um Espírito Santo, e o Espírito Santo é a vida espiritual, é a vida de Cristo, é o Espírito de Cristo em cada um de nós que nos torna vivos, que nos torna cristãos.

Ser cristãos não é uma questão de partilhar uma cultura, uma tradição, um rito. Ser cristãos é sentir o coração que arde, é sentir que somos o templo do Espírito Santo, um lugar sagrado no meio do mundo.

É sentir que este único e múltiplo Espírito, esse Espírito que nos faz convergir e nos projeta mais longe, se derramou não só sobre alguns, mas sobre cada um de nós. E assim, cada um de nós é uma expressão do Espírito Santo.

Ativemos o Espírito Santo em nós.

Por vezes está presente nas nossas vidas, mas está desligado, como se não existisse. É importante que cada um de nós escute aquilo que o Espírito Santo lhe diz, porque diz algo de diferente a cada um de nós, fala a cada um de nós, reforça, conforta cada um, exorta cada um de nós, pacifica cada um de nós, porque é o Espírito do amor, é o Espírito do amor de Deus derramado nos nossos corações. Sentimos este amor dentro de nós.

O primeiro Pentecostes é muito belo, quando os discípulos se juntaram, todos aterrorizados. Perguntavam-se: «E agora, o vai acontecer? Temos os pés amarrados pelo medo, não sabemos nada, não podemos fazer nada, temos mais ansiedades que certezas, temos mais dúvidas que fé. O que vai acontecer agora?».

O cristianismo é possível apenas porque o Espírito Santo desce. E quando o Espírito Santo desce sobre cada um deles, começaram a falar línguas.

Podemos interpretá-lo desta maneira: o Espírito Santo faz-me falar uma língua nova. Não só uma outra língua, mas uma língua outra. E que língua é a do Espírito Santo?

É a língua dos seus dons, é a língua do amor, que é uma língua universal, é a língua da alegria, que é uma língua universal, é a língua da fortaleza, que é uma língua universal; é a linguagem do bom conselho, da exortação, da proteção, do abraço, que é uma linguagem universal.

A língua do Espírito Santo não é como o italiano ou o francês ou o chinês, não, é uma língua universal que todos compreendem e todos têm a capacidade de falar.

Por vezes falamo-la pouco, mas temos a capacidade de falar essa língua, que todos compreendem, porque é a língua do amor, é a língua do dom, é a língua de um coração desarmado, a língua, como nos ensinou o nosso pai S. Francisco, a língua da fraternidade.

Que o Espírito Santo possa vir sobre nós, Peçamo-lo do profundo dos nossos corações

«Vem, vem! Vem à terra árida da minha vida, vem à minha solidão, vem à minha dúvida, vem ao meu silêncio, vem à minha fragilidade, vem. Vem e torna-me o teu instrumento, torna-me o teu canal, torna-me o teu artesão, o teu apresentador».

*D. (Card.) José Tolentino Mendonça, Basílica de Santa Maria in Aracoeli, Roma, 31.5.2020, In Frati Minori Francescani, Provincia San Boaventura, Trad.: Rui Jorge Martins, Imagem: everest comunity/Bigstock.com, Publicado em 14.10.2023

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