Tempo livre, livre de trabalho e de angústias, um imperativo ético…

 Tempo livre, livre de trabalho e de angústias, um imperativo ético…
José Mário Cachada, licenciado em Educação Física

Vivemos numa era em que o tempo livre assume cada vez mais uma importância acrescida. O significativo aumento médio da esperança de vida, entre muitos outros factores, conduz, sem margem para dúvidas, a um crescente aumento do tempo livre. Mas, o grande problema, na nossa opinião, é que a geração que hoje vive esta realidade, sobretudo o idoso, não foi educada nos princípios do tempo livre, mas sim numa verdadeira sociedade do trabalho, em que o trabalho era o fundamento da vida, pelo que vive, naturalmente, esta situação com uma certa angústia. É, pois, fundamental que a sociedade de hoje prepare as nossas crianças e os nossos jovens para esta nova realidade social, qual seja a emergência do tempo livre.

O final do séc. XIX, verdadeiro século do trabalho, exigia do homem trabalhador verdadeiras jornadas de trabalho. Horas e horas, semanas e semanas de verdadeiro trabalho. Não existia, ou, pelo menos, era praticamente inexistente, nessa altura, tempo livre. O trabalho era, pois, o fundamento da vida. Esta era uma realidade global e típica dos tempos de uma revolução industrial. Contudo, com o advento da luta de trabalhadores, com a intervenção dos sindicatos, ou mesmo sem a sua intervenção, bem como com a tomada de consciência por parte dos patrões para uma diminuição da mão-de-obra fruto, fundamentalmente, de uma diminuta esperança de vida dos trabalhadores, começou, embora paulatinamente, a dar-se alguma importância ao tempo livre, isto é, ao tempo destinado a actividades não produtivas.

Vários são os factores que propiciam o aparecimento, com uma importância cada vez mais acrescida, do tempo livre, dos quais gostaríamos de destacar os seguintes: o aumento médio da esperança de vida; a entrada mais tardia no mundo do trabalho face, sobretudo, às necessidades crescentes de um maior e melhor nível de educação e formação profissional. Isto, apesar de um, ainda que aparente, ou pelo menos, momentâneo, aumento do número de horas de trabalho diárias, semanais, mensais e, concomitantemente, anuais e de uma cada vez mais tardia entrada na aposentadoria. Tendo em atenção esta nova realidade social é, pois, fundamental, que a sociedade dos nossos dias prepare as nossas crianças e os nossos jovens para que, um dia mais tarde, quando adultos, ou idosos, não sintam a angústia de viver o tempo livre. É que, se o idoso pode ser considerado a ponta do novelo, a criança pode, sem dúvida, ser vista como o início desse mesmo novelo. É, por isso, fundamental, e necessário, que as nossas crianças e os nossos jovens sejam, desde muito cedo, educados face a esta nova realidade social com importância cada vez mais crescente: o tempo livre. E isto, fundamentalmente, para que, um dia mais tarde, quando adulto, ou, sobretudo, quando idoso, não sinta a angústia de nada ter para fazer. E, é aqui que, na nossa opinião, o desporto assume uma grande importância. É nos valores do desporto que nós podemos, e devemos educar as nossas crianças e os nossos jovens, desde logo para os valores do tempo livre. No fundo, educar as nossas crianças e os nossos jovens, desde logo, para o tempo livre de que vai usufruir quando adulto e, mais tarde, quando idoso. Só, deste modo, poderemos preparar as nossas crianças e os nossos jovens para a nova realidade social, qual seja a emergência do tempo livre. Esperamos, pois, que o desporto assuma o papel, que nós consideramos muito importante, quiçá determinante, face a esta nova realidade social: a emergência do tempo livre. Livre de trabalho e de angústias, na verdade, um imperativo ético.

José Mário Cachada, é licenciado em Educação Física (com especialização em Futebol), mestre em Ciências do Desporto – Ramo de Gestão Desportiva e doutorado em Ciências do Desporto, pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto. É professor de Educação Física na Escola Secundária de Almeida Garrett, Coordenador nacional da modalidade de Judo no Desporto Escolar, Professor Coordenador no ISCE Douro e Embaixador do Plano Nacional de Ética no Desporto.

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