Tanta gente a fugir do que procura

 Tanta gente a fugir do que procura

imagem retirada de https://www.eusemfronteiras.com.br

Dom Antonino Dias, bispo de Portalegre-Castelo Branco

Por mais que sejam as nossas diferenças pessoais, as situações geográficas e culturais, as direções assumidas e os caminhos trilhados, há um ponto de convergência que, do nascimento à morte, a todos persegue e até fundamenta a azáfama quotidiana de todo o ser humano: a felicidade, toda a gente quer ser feliz!

Nessa luta constante para a construir, mesmo que, em algum intervalo, se pense que já se encontrou e se é feliz, não tarda a inquietação interior. Depressa esbarramos com a fragilidade e o sofrimento, com os tristes desaires da história, sentimo-nos indecifráveis, constatamos que não nos bastamos a nós próprios, que não somos omnipotentes nem eternos neste mundo, que a felicidade não se contenta com o espetacular, o passear, o ter, o poder, o prazer…

A experiência de tudo isso, porém, não nos deixa desistir da luta, insiste em dizer-nos que, apesar de tudo, a vida é bela, é um bem que merece ser vivido e ao qual só o amor é capaz de lhe dar sentido e a dinamizar. Só o amor vence a morte, só o amor nos faz sentir amados e acolhidos e retribuir na mesma moeda. Só o amor puro e genuíno gera a esperança, uma esperança que nos aponta para o futuro. Este amor de que falamos não é o amor romântico ou outra qualquer espécie de amor tóxico ou menos saudável que só pensa em si, que manipula, escraviza, destrói, controla, amarfanha com medo da perda, não cria relação, não deixa fluir em liberdade, não respeita, arrasta sofrimento. Falamos daquele amor, gratuito e desinteressado, que não busca o seu próprio interesse e tem origem no próprio Deus que é a plenitude do amor.

Deus é amor, criou-nos por amor, só no amor nos realizamos, só o amor nos tornará livres e felizes, só o amor nos ajudará a descobrir e a viver o amor de Deus presente e atuante nos caminhos da história e na história de cada um de nós. Como dizia Santo Agostinho, “fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Ti”. Este amor de Deus por nós foi-nos revelado em plenitude por Jesus, que também nos desafiou a amar como Ele próprio nos amou (Jo 13, 24). Quem o vê vê o Pai (Jo 10, 30). Como discípulos de Jesus, iremos penetrando no mistério do amor de Deus, mesmo que, pelo seu silêncio, tantas vezes nos pareça que dorme, que está ausente e indiferente perante os dramas da história e a infelicidade humana. De facto, a sua lógica não é a nossa lógica. E por mais evoluída que seja a ciência, a técnica, o progresso e o bem estar, tudo isso fruto da inteligência e da vontade com que Deus nos dotou, a inquietude interior não dará tréguas, permanecerá. E será tanto maior quanto mais se pensar que a fé e a razão são incompatíveis, que não podem caminhar juntas em busca da Verdade, e quanto mais tentarmos fugir àquela atração por Deus que trazemos no coração. Só ela é capaz de nos saciar, de nos tornar verdadeiramente felizes, o que implica, não fugir de nós, mas entrar aí mesmo, dentro de nós próprios, onde Deus se manifesta em brisa suave (1Re19,11).

Nesta agitada viagem, mais ou menos longa, ao mais profundo de nós mesmos é que poderemos encontrar o essencial, tal como Santo Agostinho o traduziu em texto tantas vezes citado: “Tarde Vos amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Vós estáveis dentro de mim, mas eu estava fora, e fora de mim Vos procurava; com o meu espírito deformado, precipitava-me sobre as coisas formosas que criastes. Estáveis comigo e eu não estava convosco. Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria se não existisse em Vós. Chamastes, clamastes e rompestes a minha surdez. Brilhastes, resplandecestes e dissipastes a minha cegueira…tocastes-me e agora desejo ardentemente a Vossa paz”.  

Jesus Cristo, que também viveu muitas incertezas e inquietações, é que dá razões à nossa esperança e nos conduz à felicidade tão desejada, mesmo que por entre sofrimento e lágrimas. O amor que Ele nos testemunhou é o amor forte e invencível que diz respeito ao amor de Deus para com o homem, do homem para com Deus e do homem para com o próximo. Se distante de nós no espaço e no tempo, Jesus é nosso coetâneo e continua a não deixar ninguém indiferente, desde que alguém de boa vontade o dê a conhecer, sem pieguices nem sentimentalismos, mas em beleza e verdade. É por isso que, implementar dinamismos que o deem a conhecer é um dos mais importantes e inadiáveis desafios que as nossas famílias e comunidades cristãs estão chamadas a enfrentar, deitando mão de todos os seus recursos, para que, tal como outrora, a fama de Jesus continue a espalhar-se por toda a parte e seja para todos o Caminho, a Verdade e a Vida, pois ninguém vai ao Pai senão por Ele. Nesta busca da felicidade, muitos continuam a fugir de si mesmos, insensíveis que se tornam ao próprio Jesus que bate à porta para entrar e se sentar com eles à mesa, sendo à mesa que tantas vezes se resolvem as situações mais complicadas da vida e se tomam opções fundamentais…

É por isso que, para alertar e apontar o caminho, é preciso, como afirma o Papa Francisco “um novo protagonismo de cada um dos batizados. Esta convicção transforma-se num apelo dirigido a cada cristão para que ninguém renuncie ao seu compromisso de evangelização, porque, se uma pessoa experimentou verdadeiramente o amor de Deus que o salva, não precisa de muito tempo de preparação para sair a anunciá-lo, não pode esperar que lhe deem muitas lições ou longas instruções. Cada cristão é missionário na medida em que se encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus; não digamos mais que somos «discípulos» e «missionários», mas sempre que somos «discípulos missionários». Se não estivermos convencidos disto, olhemos para os primeiros discípulos, que logo depois de terem conhecido o olhar de Jesus, saíram proclamando cheios de alegria: «Encontrámos o Messias» (Jo 1, 41). A Samaritana, logo que terminou o seu diálogo com Jesus, tornou-se missionária, e muitos samaritanos acreditaram em Jesus «devido às palavras da mulher» (Jo 4, 39). Também São Paulo, depois do seu encontro com Jesus Cristo, «começou imediatamente a proclamar (…) que Jesus era o Filho de Deus» (At 9, 20). Porque esperamos nós? Certamente todos somos chamados a crescer como evangelizadores. Devemos procurar simultaneamente uma melhor formação, um aprofundamento do nosso amor e um testemunho mais claro do Evangelho. Neste sentido, todos devemos deixar que os outros nos evangelizem constantemente; isto não significa que devemos renunciar à missão evangelizadora, mas encontrar o modo de comunicar Jesus que corresponda à situação em que vivemos. Seja como for, todos somos chamados a dar aos outros o testemunho explícito do amor salvífico do Senhor, que, sem olhar às nossas imperfeições, nos oferece a sua proximidade, a sua Palavra, a sua força, e dá sentido à nossa vida. O teu coração sabe que a vida não é a mesma coisa sem Ele; pois bem, aquilo que descobriste, o que te ajuda a viver e te dá esperança, isso é o que deves comunicar aos outros. A nossa imperfeição não deve ser desculpa; pelo contrário, a missão é um estímulo constante para não nos acomodarmos na mediocridade, mas continuarmos a crescer” (EG120-121).

Antonino Dias, bispo Portalegre-Castelo Branco, 02-07-2021.

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