Respirei uma Igreja em saída, capaz de fraternidade, livre no falar

 Respirei uma Igreja em saída, capaz de fraternidade, livre no falar

Testemunho de um bispo participante na assembleia plenária de 2023 do Sínodo 2021-2024, concluída este domingo, 29 de outubro, com a missa presidida pelo papa Francisco na basílica de S. Pedro.

O tema dos trabalhos foi o da “sinodalidade”, entendida como a comunhão que une os discípulos do Ressuscitado, valorizando a dignidade de cada um e fazendo circular os dons do Espírito Santo a todos, para que se exprimam na participação no caminho comum e no impulso missionário de toda a Igreja, sem os quais nenhuma união a Cristo será autêntica e fecunda.

Não é minha intenção referir aqui a riqueza dos temas e das propostas que emergiram nos cinte e cinco dias de trabalho intenso e apaixonado dos cerca de 350 membros da assembleia sinodal.

Três quartos dos participantes eram bispos e um quarto era formado por presbíteros, diáconos, religiosos, religiosas e leigos, em representação de todo o mundo, que enriqueceram com a variedade e originalidade dos seus aportes o diálogo e a reflexão comum, acompanhada também pelo contributo significativo dos peritos.

O que desejo propor é simplesmente recordar alguns aspetos de fundo, que a meu ver caracterizaram a experiência vivida.

Em primeiro lugar, o Sínodo foi um tempo de fraternidade, que uniu na fé e na alegria do amor recebido e dado mulheres e homens diversíssimos entre eles, acomunados pelo encontro que marcou as suas vidas, ou seja, com o Senhor Jesus na sua Igreja.

Por muito que possa parecer surpreendente, pessoas de idades e culturas diferentes, com responsabilidades e tarefas não ligeiras em vários campos e a diversos níveis, reconheceram-se unidos numa comunhão verdadeira e profunda: no próprio ato da sua celebração o Sínodo foi um exemplo de sinodalidade vivida.

Encontrar-se, escutar-se, dialogar e estimular-se reciprocamente ao reconhecimento de quanto o Senhor está a dizer às mulheres e aos homens do nosso tempo e à Igreja peregrina foi o primeiro e riquíssimo rosto da sinodalidade de que se tratou.

Esta agilidade e facilidade de palavra pareceram a muitos um verdadeiro dom do Espírito, confirmando o desejo de Francisco de fazer de toda a Igreja um laboratório de humanidade autêntica, livre de formas e práticas esterilizantes, capaz de acolher, acompanhar e integrar pessoas diferentes, não raro provadas por exclusões e etiquetas paralisantes

Perante um mundo que não raramente parece ser constituído por somas de solidões muitas vezes em conflito entre elas, esta comunhão vivida foi oferecida como boa nova de um amor possível enquanto dom acolhido pelo outro e partilhado na fé.

Foi precisamente esta consoladora experiência de fraternidade que fez perceber ainda mais a dramaticidade dos conflitos que estão a acontecer (…). O apelo à paz, ressoado mais uma vez nas palavras do papa Francisco e na oração por ele presidida na basílica de S. Pedro para invocar o dom de Deus, foi caracterizado pelo coro das vozes dos participantes no Sínodo, provenientes de todos os lugares da “aldeia global”.

Uma segunda característica da experiência sinodal pareceu-me ser a de uma grande liberdade de palavra: fortemente encorajada pelo papa Francisco, esta liberdade foi exercício concreto da recusa daquele clericalismo autorreferencial e obtuso que – como várias vezes repetiu o papa nestes anos – esvazia a vida cristã de frescura e autenticidade, e reduz a Igreja a uma forma exterior, sem alma nem verdade nem beleza.

O trabalho nos círculos, reunidos em torno a mesas com grupos de doze pessoas, permitiu um notável intercâmbio de experiências e reflexões na “conversação do Espírito”, vivida em absoluta franqueza, traduzindo-se nas assembleias plenárias, durante as quais as vozes mais diversas encontraram espaço e a vivência de mulheres, homens, presbíteros, leigos, consagrados e consagradas pôde exprimir-se sem hesitações ou temores de desentendimentos.

Se por vezes isto sucedeu com o preço de alguma repetitividade, o aspeto incomparavelmente positivo foi o de que todos se sentiram livres para narrarem-se e apresentarem feridas, desafios e problemas das suas experiências com sinceridade e confiança profunda.

Esta agilidade e facilidade de palavra pareceram a muitos um verdadeiro dom do Espírito, confirmando o desejo de Francisco de fazer de toda a Igreja um laboratório de humanidade autêntica, livre de formas e práticas esterilizantes, capaz de acolher, acompanhar e integrar pessoas diferentes, não raro provadas por exclusões e etiquetas paralisantes.

Um olhar particular foi dirigido aos jovens, aos quais a Igreja sabe que pode oferecer o sentido da vida que vem da alegria do Evangelho

Por fim, sentiu-se fortemente o chamamento a viver a Igreja em saída, muito sublinhado pelo papa: o Evangelho é graça que impele a comunicar aos outros a beleza do dom recebido. Uma Igreja sem paixão missionária é um corpo morto, que tende a dobrar-se sobre si até se consumar na autocelebração ou no medo que é próprio de uma fortaleza cercada.

A sinodalidade é comunhão, participação e missão, e se esta última está ausente, também as outras duas dimensões revelar-se-iam carentes ou doentes. Uma Igreja missionária esquece-se de si, não no sentido de não se amar como dom recebido do Senhor, mas no sentido de tornar o dom fecundo precisamente porque se gasta, para que a todos chegue a beleza do amor divino, que em Jesus Cristo foi oferecido à humanidade.

A vida eterna é graça a acolher e a oferecer a todos, através do anúncio do Evangelho, a graça dos sacramentos e o compromisso pelo cuidado e a salvaguarda da criação, que Deus confiou ao ser humano como jardim a cultivar, no qual se partilha a riqueza dos dons que o Criador concedeu à sua criatura.

O apelo a uma ética e uma espiritualidade ecológicas evidenciou como a Igreja sinodal missionária é chamada a atuar também no compromisso por uma ecologia integral, que revista toda a dimensão da existência e toda a riqueza das relações possíveis entre os seres humanos e toda a criação.

Um olhar particular foi dirigido aos jovens, aos quais a Igreja sabe que pode oferecer o sentido da vida que vem da alegria do Evangelho.

Longe de fechar-se em si mesma, a Igreja sinodal é fermento de vida nova e plena para todos, inspiradora de práticas comprometidas ao serviço da justiça, da paz e da salvaguarda do ambiente confiado por Deus a todos nós.

D. Bruno Forte, Arcebispo de Chieti-Vasto, Itália, In Avvenire, Trad.: Rui Jorge Martins, Imagem, Publicado em 30.10.2023

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