Reescrever um futuro inesperado

 Reescrever um futuro inesperado

O Jornal de Proença foi ao encontro do Fernando Ribeiro, um dos rostos do Café Pôr do Sol no Malhadal. Fernando Ribeiro é um caso de integração social, num projeto familiar, que usufrui do apoio do Estado denominado “Apoio à Vida Independente”. Nasceu em 1966. Na sua juventude, um acidente de trabalho sentou-o numa cadeira de rodas. Foram penosos os dias, meses e anos de reabilitação possível dos membros que parecem esquecer as funções para que foram criados (andar!) e de reescrever um futuro que não se esperava ter.

Jornal de Proença (JP) – Fernando, podes contar-nos um pouco da história do teu café?

Fernando Ribeiro (FR) – Bem, o café não é meu. O café é dos meus pais. Em meados da década de 60 do século passado (1965(?), o meu pai já não se lembra bem), abriu uma tasca no rés do chão da nossa antiga casa. Depois do meu acidente, construímos esta casa e em 1994 abriu este café criando condições para que eu pudesse vir a trabalhar aqui.

JP – Quais são as diferenças entre a tasca, conhecida pela Taberna do Ti Alfredo do Ribeiro, e o atual café “Pôr do Sol”?

FR – Comecemos pelo que se mantém: há uma parte que é a mercearia (minimercado) e outra a taberna (café). O que as distingue são o número de pessoas que acorriam outrora à taberna e agora ao café e os produtos comercializados. No passado, havia muitas pessoas. Hoje, há poucas pessoas e a pandemia encarregou-se de quebrar rotinas das pessoas que passavam pelo café. E por outro lado, a guerra, a inflação, a falta de dinheiro…

JP – E quanto aos produtos?

FR – Os produtos eram muito variados. Por exemplo, bens alimentares: açúcar, arroz, massas, bacalhau, óleo, peixe, pão… houve uma altura que o pão era muito barato (3,5 tostões) e as pessoas preferiam o pão de compra ao pão que se fazia em casa; Bens para higienização: sabão azul e sabão rosa, presto, lixívia; alimentos para os animais: ração para os porcos, bois; e outros bens que agora são impensáveis: pesticidas, petróleo e gasolina para os motores; adubos para agricultura; na taberna o que se vendia mais era o vinho. Na altura, poucas pessoas tinham videiras ou faziam vinho.

Hoje, mudou. No povo, há muita gente a fazer vinho, bom vinho… bebe-se mais cerveja.

Os bens alimentares, de higiene e alguns alimentos para animais continuam a estar disponíveis aqui, mas a grande mobilidade das pessoas, a oferta dos grandes supermercados de Proença, Sertã e Castelo Branco faz com que não se venda quase nada.

Com o envelhecimento da população, já não há tanta agricultura. Os produtos destinados a esta atividade deixaram de ter saída: fertilizantes e sementes. Até os gatos cada vez são menos! Praticamente, só as galinhas têm algum peso na agricultura do povo. Quase ninguém cria porco!…

JP – Como vês o futuro do Café?

FR – Com preocupação. Eu tenho as minhas limitações e não sei dizer até quando conseguirei manter o Café. Mas também são as pessoas que fazem o Café. Vejo algumas terras a fechar o café. As despesas vão aumentando; os impostos…; se não vendes não consegues manter a atividade. A nossa vantagem é que não pagamos renda do espaço do Café porque é nosso.

JP – Porque motivo ainda manténs o Café aberto?

FR – Mantemos o Café aberto porque é o único na aldeia… onde as pessoas se encontram habitualmente… uma forma de me sentir útil e prestar um serviço ao povo. Se o fechar, o que vou fazer? Os meus pais já têm uma idade avançada. Sinto o apoio da parte deles. Eles ajudam-me. Eu fico por aqui. Ao fim do dia sempre aparece alguém… Como em tudo, só se vai dar o valor ao Café quando um dia fechar!

Maria José (mãe), Fernando Ribeiro e Alfredo Ribeiro (pai)

JP – Além dos pais, contas com mais alguma ajuda no café?

FR – Eu tenho uma assistente pessoal. A assistente pessoal é um apoio do Estado que se chama “Apoio à Vida Independente”. Usufruo deste apoio para me ajudar naquilo que eu não consigo fazer quer a nível pessoal quer enquanto tenho esta atividade no Café. Ela não é uma empregada do Café. Ela ajuda-me a fazer também algumas tarefas relacionadas com o Café. Por exemplo, às vezes acompanha-me quando tenho de ir buscar bebidas e outros produtos para vender porque os fornecedores não vêm fazer a distribuição por pouca coisa e a preços razoáveis. Mas se compro em grandes quantidades, como vendemos pouco, colocam-se os problemas da validade dos produtos.

Com este apoio da assistente pessoal, continuo ativo no café dos meus pais.

JP – O Café poderá ser teu algum dia?

FR – Não coloco a possibilidade de o Café ser meu porque, pessoalmente, poderia vir a perder apoios que me são fundamentais para me manter ativo e independente. As exigências para manter um estabelecimento aberto são imensas e poderão esmagar o meu modo de ser ativo e independente. Vou viver o dia a dia.

Conto com os apoios do Estado e também com o apoio daqueles que me fazem abrir todos os dias: o povo do Malhadal e das pessoas que por cá passam. Conto convosco!

*P. Virgílio Martins

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