Pretensão: entre a fé e a razão
Tratar temas espinhosos pelas mídias modernas é como colocar uma cereja fora do bolo.
A rapidez que as caracterizam colidem com reflexões além do raso e sequer tento, sob tais circunstâncias, ir além.
Num destes dias um amigo, indignado com a segregação racial, que vemos como se vê um iceberg, sentenciou: a raiz de todos os males da humanidade é a ignorância!
Contestar tal afirmação demandaria muito tempo e poderia ser mal interpretado, como é frequente e perigoso quando tentamos economizar palavras.
Sugeri que a raiz é o pecado original, que descreve a vã tentativa de voar por parte de um bípede, um ser que sequer tem asas, mas metido a besta. Aliás, convenhamos, que grande manual é o livro do Gênesis.
A criação e o “Faça-se a luz! E a luz foi feita”. O nascimento do homem: “Criou-os homem e mulher, e os abençoou, e deu-lhes o nome de homem no dia em que os criou”.
A sedução do anjo decaído: “Porque ouviste a voz de tua mulher e comeste do fruto da árvore que eu te havia proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado porque és pó, e pó te hás de tornar”.
Dom Bosco não cansava de repetir que o temor a Deus é um bem precioso. Não o pavor, que paralisa, mas o reconhecimento de que o sapateiro homem não vai além das chinelas e portanto não pode ditar o que seja o bem ou o que seja o mal.
Ainda que por sua queda o homem tenha conhecido mais do que poderia: “Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal. Agora, pois, cuidemos que ele não estenda a sua mão e tome também do fruto da árvore da vida, e o coma, e viva eternamente”.
Depois Caim e Abel protagonizam aquela que talvez seja a maior metáfora da desgraça humana seguidos pelo obediente Noé, que “fez tudo o que o Senhor lhe tinha ordenado”.
Quando fez bobagem, foi punido. Depois Abraão, Sodoma e Gomorra, José do Egito e os faraós,… Uma epopéia de virtudes, entremeadas por luxúria, pecado, perdição.
De certa forma caminhamos em círculos, como o povo de Israel no deserto, oscilando entre obediência e revolta, entre respeito e indisciplina, entre submissão e desobediência.
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Ganhei de um querido amigo o livro “Ayn Rand e os devaneios do coletivismo”. De pronto confessei que não a conhecia e dias depois comecei a ler a obra. Para saber que se trata de uma judia russa que emigrou para os Estados Unidos, tornou-se escritora, roteirista de cinema nos estúdios De Mille e filósofa.
Seu livro “A revolta de Atlas” é, senão o mais vendido na história norte-americana, depois da Bíblia, ou está entre os campeões.
Criadora do Objetivismo, pautado pela realidade objetiva, acreditando na supremacia da razão, vendo virtude no egoísmo e aplaudindo o capitalismo na base do vale-tudo laissezfaireano: “Afirmava que o altruísmo é ruim para os indivíduos e para a sociedade, e atacava a religião por ser irracional”.
“discordava profundamente de todas as filosofias existentes, particularmente de seus códigos morais. Assim, tive de pensar e definir o meu próprio sistema filosófico de modo a descobrir e apresentar o tipo de ideias e premissas que tornam o homem ideal possível”.
declarou Rand
Sua biografia revela que traiu seu marido, com a suposta aquiescência dele, de quem jamais se separou, com um sujeito a quem se associou intelectualmente, do qual ela e o marido foram padrinhos de casamento.
Não parece à toa que condenasse, particularmente, “códigos morais”. Isto me faz lembrar das inocentes malandragens de meu querido irmão, seis anos mais velho, que mudava a regra do jogo quando eu eventualmente começava a ganhar.
“E da costela que tinha tomado do homem, o Senhor Deus fez uma mulher, e levou-a para junto do homem. Eis agora aqui, disse o homem, o osso de meus ossos e a carne de minha carne ela se chamará mulher, porque foi tomada do homem. Por isso o homem deixa seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher e já não são mais que uma só carne. O homem e a mulher estavam nus, e não se envergonhavam”.
Gênesis
Por óbvio aprecio o uso da razão, mas não a divorcio da fé porquanto acredito que o casamento da fé e da razão, parodiando João Paulo II, dão ao bípede humano as asas que lhe permitem voar.
Por certo admiro o esforço humano de buscar entender a si mesmo e ao universo, mas tentar reinventar a roda pode não passar de vaidade, de dissipação, de rebeldia sem causa.
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Pela manhã fui à serra gaúcha para buscar peças e algumas ferramentas.
Num dos estabelecimentos em que entrei, divisei, pendurados numa viga de aço no teto, três balões atados entre si. E murchos. Suas cores: azul, verde e amarelo.
Perguntei ao balconista se eram alusivos à Copa do Mundo do Qatar. O rapaz confirmou.
Decorridos quase três meses da partida final, que teve lugar dias depois de o Brasil – mal convocado, mal treinado, soberbo e mal escalado,- mais uma vez decepcionar, os balões seguem pendurados.
Melancólicos, traduzem o desencanto vigente no país, fruto de um processo eleitoral que o dividiu por forma absurda.