Pedro da Fonseca e os equívocos wiquipedianos…

 Pedro da Fonseca e os equívocos wiquipedianos…
António-Manuel Silva
António Manuel M. Silva
Professor de História

Uma atenção crítica apertada sobre a informação que nos chega, independentemente do conteúdo, da fonte e da forma, torna-se cada vez mais necessária. Temos que saber filtrar ou, como dizem os historiadores, depois da heurística avançar para a hermenêutica…

Vem isto a propósito de uma informação publicada na “WIKIPÉDIA”, versões em língua francesa e inglesa, sobre PEDRO DA FONSECA.

Há centenas de referências bio/bibliográficas sobre PEDRO DA FONSECA, o “Aristóteles Lusitano”, padre jesuíta, natural de Proença-a-Nova (Cortiçada), onde nasceu em 1528 e falecido em Lisboa, em 1599. Apesar de existir uma estátua dele em Proença-a-Nova, mandada construir pelo Comendador Sebastião Alves, concebida e produzida pelo Mestre escultor Joaquim Correia, que dá o seu nome a um Museu na Marinha Grande, onde está o molde em gesso, nunca consegui encontrar uma imagem/retrato daquele ilustre proencense. Tive, inclusive, oportunidade de, há muitos anos, questionar pessoalmente Mestre Joaquim Correia no sentido de saber se a estátua correspondia a alguma imagem encontrada ou retrato pintado visto por ele. Respondeu: “- Professor, não acha que o homem está com ar de pensador, de filósofo?” Para bom entendedor meia palavra bastou…

A verdade é que se desconhece qualquer representação iconográfica de Pedro da Fonseca apesar de se poder traçar um perfil psicológico e comportamental através de vários documentos escritos por ele e sobre ele. Há referências bibliográficas a um retrato pintado que teria existido na Universidade de Évora, no século XVI, pendurado em algum corredor do edifício, perante o qual o rei Filipe II, de Espanha, I de Portugal, fazia vénia, quando por ali passava, em sinal de respeito e homenagem ao filósofo jesuíta e proencense que era igualmente seu conselheiro. Até agora, depois já ter consultado a Companhia de Jesus, indagado a secção iconográfica da Biblioteca Nacional, a Universidade de Évora e o próprio arquivo do Vaticano (afinal Pedro da Fonseca viveu lá alguns anos), desconheço qualquer representação iconográfica de PEDRO DA FONSECA, o “Aristóteles Lusitano.”

Não é portanto de estranhar a grande satisfação e o descomunal espanto que me invadiram quando o Dr. Amândio Machado, parceiro habitual na frequência quase diária da BM de Proença, me direcionou para a “Wikipédia” em língua francesa chamando a atenção para a reprodução de um retrato pintado de Pedro da Fonseca acompanhado da seguinte informação complementar: “Pedro da Fonseca, jesuíte, theologien, philosophe e écrivain portuguais, surnommé l’Aristote portugais, né em 1528 au village de Proença-a Nova, mort le 4 novembre 1599 à Lisbonne.”.

Não podia haver qualquer dúvida. Ali estava ele ! Como havia sido possível não ter chegado aqui há mais tempo?! Era a cereja em cima do bolo! Já tinha encontrado a campa do homem (n.º15, na Igreja de S. Roque em Lisboa), já tinha lido e escrito centenas de páginas sobre a vida e a obra do intelectual proencense, já tinha proferido palestras e conferências diversas sobre o tema, já tinha folheado dezenas e dezenas de livros, já tinha questionado os mais variados especialistas e… nada. Vejam bem como são as coisas. Afinal, estava ali a « cara » do mais ilustre dos proencenses ao dispor de um simples clik tecnológico… (Clicar: https://fr.wikipedia.org/wiki/Pedro_da_Fonseca )

Mas… O deslumbramento rápido descambou em desilusão quando a hermenêutica fez concluir, uma vez mais, que há mais “marias na terra” e que “cuidados e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém”…

Na verdade, os redactores da versão francesa da Wikipédia (e versões em outras línguas, nomeadamente a inglesa) fizeram uma confusão enorme ao apresentarem o retrato/pintura como sendo o do “nosso” conterrâneo quando, na realidade, retrata um outro Pedro da Fonseca, cardeal, nascido em Olivença. Não “batia a bota com a perdigota”, que é como quem diz o retrato pintado não correspondia com o texto. O retratado é um tal Pedro da Fonseca, nascido em Olivença, nomeado cardeal em 1409 pelo “antipapa”, Bento XIII, de Avinhão no contexto do Grande Cisma do Ocidente:1378/1417. (Mais tarde, aceitou a autoridade do Papa de Roma, Martinho V, que o confirmou cardeal em 1419.) Uma observação atenta e pormenorizada do retrato/pintura revela no seu epitáfio a data da sua morte em MXDXXII (1422) o que demonstra a impossibilidade de se tratar do “nosso” PEDRO DA FONSECA que apenas viria a nascer em Proença-a-Nova em 1528, mais de um século depois.

E tudo regressou ao início. Continua a demanda de um retrato de Pedro da Fonseca, o “Aristóteles Lusitano”. E a certeza de que um pensamento crítico é cada vez mais urgente face à imensidão informativa que nos chega de enxurrada através das novas tecnologias da informação.

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