Os Papas: Cruzando o limiar!


… da suposta saúde plena, no sentido descendente, pelos anos de atividade, andei fazendo alguns exames.
Antes de entrar na sala da máquina, prestei algumas informações. Peso? Altura? Toma algum remédio? Não, nenhum.
Minutos depois assisti o mesmo interrogatório com um senhor mais jovem. Toma remédio? Sim, contra pressão alta. E mencionou quatro drogas de cuja existência eu sequer suspeitava.
Minha pressão é boa. Mas se estivesse cem por cento não estaria às portas de um exame tomográfico.
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Na sala de espera, tanto quanto o aparelho de televisão desgraçadamente ligado permitiu, avancei na leitura de uma biografia do Papa Francisco.
Sua vocação quase tardia, seu ingresso na ordem jesuítica, sua caminhada até o Arcebispado de Buenos Aires, os aborrecimentos no tempo da ditadura, o sequestro de sacerdotes villeros, como eram conhecidos os padres que viviam em vilas, entre os pobres, seus desagradáveis encontros com Emilio Massera e Videla, sua nomeação cardinalícia e, por fim, sua eleição no Conclave deflagrado pela surpreendente renúncia de Bento XVI.
Tido como excelente ouvinte, conhecido pelo jeito afável e humilde, mesmo como Cardeal seguiu tomando ônibus. Não se valeu de sua posição e apreciava o convívio com a gente simples.
Na sua primeira Semana Santa como Papa protagonizou a cerimônia do Lava-pés com doze detentos em Civitavecchia, conclamando o mundo à humildade e declarando que Deus perdoa sempre.
Desde muito Francisco apregoava uma Igreja pobre e sua escolha como Papa teria contado com a expectativa de seus eleitores de que reformaria a Cúria romana.
Seu pontificado contou com muito entusiasmo inicial, que foi arrefecendo e agora ele tem sido muito criticado por alguns eventos. Como receber uma foice e um martelo, com um Cristo fixado neste, à guisa de crucifixo, das mãos de Evo Morales e de ter participado de um culto da Pacha Mama, uma deidade andina, no Vaticano.
Muito recentemente, por ter se manifestado acerca do processo que condenou o presidente brasileiro, declarando-o injusto. Deixou muitos católicos aturdidos, afinal o vídeo da entrevista a um canal argentino – em que inocenta um cidadão condenado em todas as instâncias e elogia uma ex-presidente apeada do poder,- não deixa margem a dúvidas.
Não há a menor possibilidade de ter sido mal interpretado. Foi muito infeliz e deu margem a ilações sobre sua orientação política. O que dizer de tudo isto? Lastimável.
Já indaguei sobre sua fidelidade à doutrina fundamental da Igreja. Escutei, de um sacerdote, que parece irretocável, sobretudo em aspectos polêmicos e perigosos: tolerância zero contra os casos de abusos sexuais, não apoia o casamento entre pessoas do mesmo sexo, se opôs à lei de identidade de gênero e é intransigente em relação ao aborto:
“Uma mulher grávida não leva no ventre uma escova de dentes, nem um tumor. A ciência ensina que, desde o começo da concepção, o novo ser tem todo o código genético”.
Concluída a leitura da biografia de Francisco comecei “Cruzando o limiar da esperança”, resultado da entrevista de João Paulo II concedida a Vittorio Messori. Foi ao vivo? Não.
Messori enviou as perguntas por escrito e deste mesmo modo recebeu as respostas. Foram perguntas arranjadas? Não. Algumas delas são provocadoras, como as que abordam o islamismo e a relação com o mundo judeu.
Convocado pela RAI para realizar esta entrevista, celebrando os 15 anos do pontificado de João Paulo II, Messori sentiu-se mais preocupado que lisonjeado:
“Como homem de fé, eu me perguntava se seria verdadeiramente oportuno que o Papa concedesse entrevistas, ainda por cima na TV. Não correria o risco (apesar de sua intenção generosa, mas sendo fatalmente envolvido pelo implacável mecanismo do media system) de confundir sua voz no caótico ruído de fundo de um mundo que tudo banaliza e transforma em espetáculo, que sobre todas as coisas acumula opiniões conflitantes e infinita futilidade?”.
Arisco diante da enorme responsabilidade, o jornalista e escritor evocava Cícero ao indagar a si mesmo se queria meter-se em tal empreitada: “Que mais te falta, se tens uma biblioteca que dá para um jardinzinho?”.
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João Paulo II viajou pelo mundo afora, contribuiu para a ruína do universo comunista, foi incansável evangelizador e cumpriu sua missão até o fim debaixo de excruciantes padecimentos.
Tive a graça de vê-lo, com meu pai, num Domingo de Ramos e sempre que lembro dele me vem sua imagem, ajoelhado, mergulhado em profunda oração. Foi certamente um dos maiores Papas da história.
Francisco, que a mim parece, a esta altura, muito imprudente, figurará na galeria vaticana. O carismático e prudente João Paulo II, o Papa do “Não tenham medo”, profundo conhecedor da tragédia comunista, admirado pelos jovens e respeitado pelos poderosos, está na galeria celeste.