Opinião: Religião sem Deus


É comum escutar que falta espírito crítico ao brasileiro. Será verdade? Não acho que seja.
Os episódios políticos mais recentes produziram magotes de charges e ditos espirituosos, revelando ironia, acidez, sátira, verve e outras qualidades que um mentecapto não possui.
Rimos das declarações ridículas de políticos, das mancadas verbais da presidente defenestrada, dos seus desastrosos discursos improvisados e de sua luta melancólica em preservar a cadeira que ocupava.
O mais triste é escutá-la dizer que não cometeu crime. Parece que engoliu uma vitrola e o disco empacou…
Assim, creio que não nos falta espírito crítico. O que falta é coragem para exigir correções de rumo, para ir além do escárnio hiênico.
Nesta luta, em que um ciclo de incompetência como nunca neste país desceu a rampa do planalto, sem que a honestidade a tenha subido, passamos pelo massacre moral de saber que a presidente afastada seguirá morando no palácio, como rainha fora da casinha cujas contas ainda temos que pagar.
Seria mais digno que abrisse mão dos privilégios e se mostrasse morigerada com as contas públicas que se encarregou de arrebentar. Não fará isto. Diz que é guerreira. Ao dizer isto dá uma bofetada em pessoas como a catadora de papel que passa na rua em que moro.
Sorriso aberto, vida difícil, esta senhora que admiro não permitiu que a Petrobrás fosse para o espaço, não privilegiou obras em Cuba e na Venezuela, não beneficiou o sistema bancário e não arrasou a indústria nacional. Ainda assim não bate no peito.
Ela sim é uma guerreira. A falastrona, que deve milhões de desculpas ao país, insiste na arrogância. Me faz lembrar um trecho do sábio livrinho “Caminho” de Santo Escrivá: “Tu?… Soberba? De quê?”.
Os dois últimos presidentes não passam de apedeutas, que eu não contrataria para tomar conta de um carrinho de pipoca. Bichos políticos, na pior acepção da expressão, viverão até o último de seus dias como produtores de discursos sectários, dividindo perigosamente o país. Que agora vive momentos de protestos nas ruas.
Acho bonito, desde que não haja vandalismo, que não haja coerção, como a obstrução de avenidas e rodovias, e os manifestantes não tapem o rosto.
Que tipo de vida democrática é esta em que o camarada que protesta esconde o rosto, do nariz para baixo, como bandido do faroeste?
Esta turma acusa os policiais de violência, lembro do que disse Lênin a um sujeito que o consultava: “Acuse os adversários do que você faz, chame-os do que você é!”. Esta tática não tem as digitais de um Demóstenes.
Ele não se permitiria estes golpes baixos, mas é muito usada, sobretudo pela esquerda.
A Rússia foi o grande laboratório do marxismo, ainda que Marx houvesse previsto que a revolução aconteceria numa sociedade industrializada e não num país cuja economia dependia fundamentalmente da agricultura. Foi um balaio de gatos.
Em 1903 uma reunião de militantes do Partido Social-Democrata gerou uma cisão entre os que defendiam a abertura para todos os simpatizantes e os que propugnavam por um grupo coeso que trabalharia diuturnamente pela revolução.
Os primeiros ficaram conhecidos como mencheviques, os outros como bolcheviques, cuja facção teve Lênin no comando. Esta cisão, muito mais tarde, seria decidida nas armas.
Num congresso organizado pelo partido em Estocolmo, no ano de 1906, foram discutidas as expropriações revolucionárias, que envolviam roubos e extorsões.
Mencheviques e bolcheviques mostraram-se propensos a condenar tais expropriações, mas Lênin afirmou que tudo era aceitável para manter o partido. Lênin, portanto, mostrou-se um aplicado discípulo de Maquiavel.
A luta pelo poder na Rússia foi feroz. Quando Lênin sofreu o primeiro de três derrames, Stálin ameaçou sua esposa por imaginar que ela o intrigasse com o marido. Tão logo Lênin morreu desencadeou-se o culto à sua memória, como numa religião.
Lênin deixara uma espécie de testamento, no qual sugeria que Stálin, por grosseiro e vulgar, fosse destituído da função de secretário geral. Como se sabe, Stálin não só não caiu como eliminou, um a um, seus rivais.
O maior deles, Trotsky, exilado, foi liquidado em seu escritório, na cidade do México, por um agente stalinista. Trotsky trabalhava numa biografia de Stálin e, irônica metáfora, as folhas desta ficaram espalhadas pelo chão, manchadas pelo sangue do biógrafo.
Os métodos desta turma não seguem regras de convento, mas atendem uma religião, a religião secular do vale tudo. Por isto a cleptocracia de esquerda, agora e sempre, apela para a leitura ideológica, o que explica a decepcionante leniência de pessoas das quais se esperaria forte reprovação de atos escusos.