Opinião: O amargo sabor da vitória


Para surpresa generalizada da sociedade, as eleições do passado dia 30 deram uma inequívoca maioria absoluta ao Partido Socialista. Depois de seis anos de governação, este é sem dúvida um momento histórico, digno de ser comemorado pelos vitoriosos com o melhor dos champanhes.
Mas…será que o Partido Socialista tem mesmo motivos para celebrar?
A questão de fundo que em primeiro se coloca é perceber se António Costa queria mesmo esta vitória. Depois de dois anos de pandemia e numa altura em que no horizonte se começam a avistar muitas nuvens de incerteza quanto ao futuro da economia mundial, talvez uma leve derrota eleitoral lhe permitisse uma saída de cena com toda a dignidade e talvez o desejo de um cargo europeu fosse uma realidade.
A segunda questão é saber se esta vitória é um inquestionável voto de confiança ou se pelo contrário, desta vez, os portugueses querem ver o Partido Socialista a governar, também, em tempo de vacas magras e sem riqueza para distribuir para além do já esgotado PRR. Seja pela primeira hipótese, seja pela segunda, António Costa tem a difícil tarefa de fazer as reformas estruturantes necessárias a colocar Portugal a crescer na convergência com a Europa, e desta vez não há desculpa pela falta de estabilidade.
Conseguirá então o governo fazer as reformas que se impõem? Dificilmente, as dificuldades são muitas e de todos os quadrantes.
Uma das reformas imprescindíveis é o corte nas chamadas gorduras do estado. Ora, todos sabemos que as gorduras do estado são essencialmente o alimento das máquinas partidárias, e isso traz o primeiro problema, o que vai Costa fazer com todos os seus correligionários que gravitam à sua volta? Terá a coragem que se impõe para fazer os cortes necessários em todos os organismos, institutos, observatórios e afins cuja utilidade em benefício da sociedade é altamente difícil de justificar?
À sua esquerda, e ao contrário do que possa parecer, os seus antigos parceiros da geringonça não saíram derrotados das eleições, agora que já não têm qualquer responsabilidade moral pelo papel governativo ficaram completamente livres para regressar ao seu “habitat” natural, a luta nas ruas. O PCP e BE podem ter perdido deputados, mas com lideranças inatacáveis e com a mesma influência sindical de sempre, acabou a paz social. AutoEuropa, transportes metropolitanos, escolas e portos marítimos vão paralisar. A TAP, depois dos milhões que voaram, fica com os aviões parados em terra. Na prática, embora longe dos holofotes, o PCP e o BE podem muito bem ter comemorado este “regresso a casa” com champanhe da mesma categoria com que o PS brindou à vitória.
À direita, está um CHEGA que António Costa excluiu do seu diálogo, com um pequeno problema, o CHEGA tem hoje uma influência vital em sectores estratégicos que não podem de todo ser descurados, alguns sindicatos que se livraram das garras do comunismo, e sector dos transportes. O partido previamente excluído das negociações pode muito bem ser exatamente o primeiro a quem Costa tem que ceder, a menos que queira reeditar as tristes batalhas campais entre “secos e molhados” ou os bloqueios organizados pelos irmãos Pinto contra Cavaco Silva. O CHEGA até pode ter o destino que teve em tempos o PRD, mas por agora, vai cumprir a promessa da noite eleitoral.
Também a Iniciativa Liberal celebrou a vitória da noite com o melhor dos cocktails, mas na verdade, apesar do resultado alcançado, acabou a noite com um grande amargo de boca. Perante uma maioria absoluta do PS onde negociar não passa de retórica para “inglês ver” e sem uma influência capital na sociedade, fica toda a legislatura a falar com pouca certeza que esteja alguém verdadeiramente interessado em ouvir.