OLHOS NO CÉU, PÉS NA TERRA
As fagulhas andavam pelo ar nesse fim de tarde abrasador. Quando cheguei, um dos gatos da minha vizinha encontrava-se, como é habitual, sentado confortavelmente na varanda ao lado do seu irmão, a olhar fixamente para o céu lisboeta por cima de si.
Um homem, neste que foi um dos dias mais quentes de sempre, também olha para o céu. Levanta a mão para o alto, num ato de desespero continuando com outra mão a combater as labaredas atrás de si, com uma simples mangueira. Este ano mais perto do céu lisboeta, as chamas cobrem de fumo o céu, rodeiam casas, consomem florestas. Reduzem o Homem à insignificância e diminuem quem não conseguindo defender o património natural tenta defender os seus pertences.
Em tempos andava na floresta. Uma vez lá emaranhada tenho a mesma sensação cada vez que entro num majestoso edifício, principalmente em grandes igrejas, cuja monumentalidade é propositada para nos fazer sentir pequeninos e nos pôr no nosso lugar enquanto simples pecadores. A maioria dos jovens vinha de Lisboa. Sabia tanto como eles, eu, sendo da terra sempre a vi de longe, a sempre enigmática floresta.
Mas era no breu que se agudizava a sua beleza. Era inevitável. Ficava hipnotizada pelo céu. Lá me agarrava a uma amiga da colónia de férias e seguia a olhar interruptamente o céu, confiando cegamente na minha guia. Ficava encandeada pelas estrelas que o preenchiam e pelo luminoso braço da Via Láctea. Não havia um pedaço que não estivesse ocupado pelos intermináveis pontos brilhantes. Eu era parte da natureza. A ela pertencia como pertencem as estevas.
Esse céu que ilumina a “Serra das Corgas” não deixa de nos reduzir à nossa insignificância, servindo prova ao longo da história. Através dos instrumentos produzidos pela ciência fomos capazes de ver mais além. Para lá do céu o supertelescópio James Webb fotografa o universo mais profundo. Fixando a comunidade internacional nas suas imagens, tão longínquas, que nos superam. As primeiras galáxias que datam do início do universo, o nascimento e a morte de estrelas.
Cada um olha para o alto, cada um com o seu motivo. Porém é importante entendermos que vivemos num santuário que está a arder e somos apenas uma pequena partícula de pó repousada nesse grande espaço.