Olhares escurecidos que a Quaresma cura

 Olhares escurecidos que a Quaresma cura
Dom Antonino Dias

Em Quarta feira de Cinzas, a Igreja veste-se de roxo e acolhe as cinzas que lhe recordam a sua permanente condição de peregrina. Com sinais e atitudes que a ligam à sua raiz, ela inicia um caminho de conversão que a conduzirá à celebração da Páscoa, o acolhimento da vida nova de Cristo que faz novas todas as coisas (2 Cor 5, 17). Em Cristo, na sua vida, todas as coisas se verão de forma nova, justa, autêntica, verdadeira.

Em cada início há sempre encanto, projeto e propósito. É assim também o caminho da Quaresma. Se percorrido com a graça da oração, da partilha e da purificação, a Páscoa será bênção, o âmago da verdadeira vida cristã e do estilo cristão de viver.

Havia um cego que, certo dia, foi levado a Jesus para que o curasse. Jesus tomou-o pela mão, conduziu-o para fora da aldeia, impôs-lhe as mãos, uma e outra vez. E o que fora cego começou a ver cada vez com maior nitidez, progressivamente, até ser capaz de tudo ver claramente (Mc 8, 22).

Antes do encontro com Jesus, aquele cego não via e tudo confundia. Agora, depois de Jesus o ter tomado pela mão e o ter conduzido, já distingue todas as coisas. Jesus é a Luz com a qual tudo se vê.

A Quaresma será, seguramente, este caminho de deixar que Jesus nos tome pela mão, nos conduza para fora das nossas circunstâncias estagnadas e inertes, nos imponha as suas mãos de irmão e amigo, nos abra os olhos e nos ensine a ver como novas todas as coisas, continue a fazer caminho connosco e a nosso lado.

Existem muitas circunstâncias a determinar o que se vê e o que não se vê. É o ângulo, a luz, a perspetiva, a capacidade. Na penumbra não se distinguem as formas e as presenças, na escuridão nada se vê. Há escuridões que dependem do meio ambiente, do contexto. Há escuridões que são o próprio “olhar escurecido” (Mt 6, 22-23). A determinar o que se vê e não vê está também a necessidade, o desejo, a liberdade, a atenção, a satisfação, o horizonte definido, a história de cada um, a altivez ou a humildade, a adequação e reação a cada realidade, o que nos é dado e o que nos cabe fazer.

Ao tomar aquele cego pela mão, Jesus não lhe abre apenas os olhos. Ensina-o também a ver. Coloca luz no seu olhar para não acontecer que o cego continuasse apenas a ver as coisas como ele próprio era mas, agora, renovado, as veja como elas são.

Guiado pela mão de Jesus, o cego faz todo um caminho que pode iluminar os nossos caminhos e que assim podemos sintetizar:

1. Começa pela memória de si próprio e da sua origem, a consciência que tem de si, da sua vida e das suas limitações. Pressentindo a presença dos discípulos de Jesus que o podem levar a Jesus, deixa que se forme no seu coração a esperança e o desejo de um encontro transformador;

2. No seu íntimo, talvez calado há muito tempo, nasce um pedido, uma súplica, um desejo: ele quer ver. Cansado da escuridão, o seu desejo de luz mobiliza a sua liberdade. E, naturalmente, no seu íntimo, pede para ver;

3. Ao pedir luz, o cego revê a sua vida em escuridão, mas revê também o seu desejo. Analisa até onde o levou a escuridão e onde fugiu ele da luz;

4. Da revisão da sua vida, surge a perceção do que poderia ter feito e não fez, celebra o amor de Jesus e, no seu íntimo, pede perdão. Mas é precisamente aí que sente a mão de Jesus a pegar na sua vida. Deus não estava longe, estava mesmo ali;

5. Na presença de Jesus e por Ele conduzido, o cego renova a sua vida. Já não há sombras nem confusão. Agora, em Cristo, ele vê novas todas as coisas. Com coragem, empatia, lucidez, tenacidade, compaixão.

Ver todas as coisas em Cristo, com o olhar de Cristo, com a sua experiência de Homem e de Filho de Deus, com a sua Palavra, com a sua forma de relação, com a sua Graça e Dom, é o grande remédio para as muitas e variadas cegueiras.

Este ano, a Quaresma é vivida em plena caminhada para as Jornadas Mundiais da Juventude que se realizam em Lisboa no próximo mês de Agosto. A caminhada já começou e está a acontecer. Na nossa Diocese, e em Dioceses por esse mundo fora. As Comunidades preparam e antecipam já esse encontro em tantas e tão belas realizações.

Um encontro mundial de Jovens, que se cruzaram com Cristo e O deixaram conduzir as suas vidas, não é apenas um aglomerado de pessoas. É a experiência da Igreja. Significa que, em Cristo, ver novas todas as coisas é mais do que a experiência daquele cego ou de cada participante sozinho e por si mesmo. É a experiência da comunidade que nasce da luz de Cristo partilhada e testemunhada. 

Que a Páscoa aonde queremos chegar nos revele o caminho de uma Quaresma em que deixámos Cristo iluminar cada recanto do nosso coração e da nossa vida inteira.

A Renúncia Quaresmal deste ano destinamo-la ao Fundo Social Diocesano gerido pela Cáritas para ajudar a minorar a situação das pessoas com maior vulnerabilidade acolhidas na Diocese. No ano de 2022, foram realizados, pelos grupos paroquiais e pela Cáritas Diocesana, 25.818 atendimentos. Deste total, 2.545 foram realizados na Cáritas Diocesana, sendo 1.081 relativos a migrantes provenientes de 37 países. Foram apoiados em respostas sociais (257), habitação (26), reagrupamento familiar (56), empreendedorismo (1), emprego (145), habitação (26), acesso à educação (52), acesso ao SNS (29), Finanças (139), Segurança Social (104), SOS Ucrânia (41), bem como assuntos relacionados com a legalização, a nacionalidade, a permanência em território nacional, a proteção internacional, o racismo e discriminação, o retorno voluntário, o asilo, o ensino da língua, entre outros.

O apoio social a residentes na Diocese tem-se traduziu sobretudo no pagamento de despesas de emergência, na entrega de bens de primeira necessidade e de material escolar, bem como em visitas domiciliárias, no encaminhamento para outras entidades e no apoio a crianças desfavorecidas na aquisição de óculos, tratamentos dentários e outros, no pagamento de creche, infantário e ATL.  

Através do serviço de apoio ao emprego que a Cáritas Diocesana criou, foram inscritos para emprego 40 pessoas, das quais 23 foram colocados. São 76 empresas que a Cáritas Diocesana contactou e registou, como potenciais contratantes de pessoas vulneráveis, das quais 20 já contrataram trabalhadores por ela apresentados.

Deixemos que Jesus nos tome pela mão, nos conduza para fora de nós mesmos, nos imponha as mãos, uma e outra vez. De certeza que também começaremos a ‘ver’ cada vez com maior nitidez o que está dentro de nós e ao nosso redor, até sermos capazes de tudo ver claramente. O caminho da Quaresma, percorrido com a graça da oração, da partilha e da purificação, far-nos-á olhar a Páscoa como bênção, o cerne da verdadeira vida cristã e do estilo cristão de viver.

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