O prolongamento de 2023
Ano novo, vida nova, costuma dizer-se.
Não é assim em todo o mundo e nem por cá foi sempre assim.
Muitos são os países que adoptam como “ano fiscal” datas diferentes do “ano civil”, o que naturalmente coloca nos cidadãos uma percepção diferente da nossa, no que diz respeito a crescimento económico, avaliação desse crescimento, e consequente aumento de qualidade vida.
Também por cá, numa memória não muito distante, era por norma, no final de Setembro que os agricultores dependentes de terra alheia trocavam de quinta, tempos difíceis esses em que a vida humana era moldada pelo ciclo das culturas.
Este ano, em boa verdade, o ciclo começa a 10 de Março, ficando estes três meses e dez dias registados como uma espécie de prolongamento de 2023.
Prolongamento este que teve origem num simples parágrafo, de um curto comunicado da Procuradoria Geral da República.
Muito se tem falado no último parágrafo desse comunicado e que terá conduzido o primeiro ministro em passo apressado a pedir a sua demissão ao sr. Presidente da República. A sua demissão e não demissão do seu governo.
É certo que o poder da palavra é poderoso, seja falada, seja escrita, tem um poder tanto de construtivo como de devastador, numa escala sem limites conhecidos pelo Homem. Mas será que foi um único paragrafo escrito pela DCIAP a provocar a queda de António Costa?
Não, António Costa não foi de passo apressado apresentar a sua demissão por causa da palavra escrita. António Costa aproveitou-se sim da palavra para apresentar a sua demissão.
Escrevi aquando das últimas legislativas que esta tinha sido a vitória que António Costa não queria, teria preferido uma leve derrota, mas que lhe abrisse outras portas no quadro da União Europeia, a uma vitória que o “amarrava” por quatro anos a exercício do qual já apresentava evidentes sinais de cansaço.
As demissões de ministros e secretários de estado a um ritmo superior às páginas do calendário são disso prova.
A degradação dos serviços públicos e crescimento galopante do desemprego que já nem as estatísticas conseguem camuflar, são disso prova.
A demissão atabalhoada e as desculpas usadas, são disso prova.
Se alguma das alegações usadas lhe ocupassem espaço na massa encefálica, nunca teria apunhalado o seu camarada António José Seguro e muito menos teria utilizado a aritmética parlamentar para derrubar o governo da PaF sem se submeter novamente à vontade popular.
Fechado que está este ciclo político, o Partido Socialista escolheu para seu novo líder o principal construtor da geringonça.
E quando se esperava um rejuvenescimento de ideias ou de projectos, começa a sua pré-campanha com duas enormes contrariedades.
Acusa Montenegro de não se ter “descolado” de Passos Coelho enquanto se assume a “continuidade” de António Costa.
Insiste em agitar os demónios da extrema direita enquanto se orgulha de ter negociado com a extrema esquerda a ascensão do Partido Socialista ao governo.
O resultado dessa ascensão está à vista, uma mistura híbrida do pantanal Guterrista com criminosa governação Socrática.