No melhor pano cai uma nódoa


Quando o dr. Hans Blix, um diplomata sueco que tinha sido ministro dos Negócios Estrangeiros da Suécia antes de presidir à Agência Internacional de Energia Atómica, disse não haver provas da existência de armas de destruição em massa no Iraque, eu, então editor da política internacional num jornal de grande tiragem, fiz dessa afirmação título gordo da secção Internacional sem imaginar o que daí adviria.
Fi-lo, ingloriamente, em nome da paz e da fiabilidade da fonte, o que me valeu grande reparo por parte da hierarquia do jornal onde trabalhava e a transferência, quase imediata, da secção do Internacional para a secção de Publicações Especiais do jornal, espaço de difícil coexistência entre a informação comercial e o jornalismo. Anos mais tarde, a opinião de Hans Blix foi amplamente confirmada, mas a invasão do Iraque a pretexto da existência daquelas armas já tinha sido consumada.
Da comunicação dessa transferência, subjectivamente uma despromoção, lembro a sublinhada advertência de que não deveria associar tal mudança a uma qualquer reacção ao facto de ter publicado uma notícia a dar ênfase à opinião de Hans Blix sobre a inexistência de armas de destruição em massa no Iraque. Limitei-me a responder que uma tal relação de causa efeito jamais me passaria pela cabeça.
Na correlação de forças políticas e mediáticas que, à data, existiam em Portugal, a narrativa da existência de armas de destruição em massa no Iraque, factor determinante para a guerra que se seguiu, foi, sabe-se hoje, um grosseiro estratagema de desinformação, susceptível de ser classificado no rol do que agora denominamos como “fake news”, ou seja, as contraditórias “notícias falsas”.
Para mim, a Conferência de Imprensa de Hans Blix foi o início de um processo que culminou com a rescisão do contrato de trabalho que me ligava ao jornal em causa. Mas para muitos iraquianos foi uma nesga de esperança em evitar a guerra, esperança infundada pois a guerra não foi evitada mesmo sem confirmação da justificação que foi dada para a desencadear. O jornal onde eu trabalhava, como muitos outros jornais de referência em todo o Mundo, rapidamente substituiu as dúvidas de Hans Blix por certezas que justificaram a guerra e são hoje claramente reconhecidas como “fake news”.
Nem só de fontes anónimas e ou de proveniência duvidosa vive a desinformação que nos cerca. A desinformação que todos queremos combater, em nome da paz e da manutenção dos estados de direito democráticos. Nos melhores panos pode cair a nódoa.