Na despedida do P. Rodrigo Mendes

Não foi sem emoção que assisti à saída do corpo do Pe. José Rodrigo Mendes (1944-2023) da igreja de Santa Maria do Barreiro.
Encontrei-me com o seu retrato sorridente estampado numa tela. Curvei-me em oração junto da sua urna, assente no chão. Foram, no entanto, os momentos finais da cerimónia exequial, presidida pelo Cardeal D. Américo Aguiar, que me comoveram.
Dois deles, sobretudo: aquele em que a sua irmã se dirigiu ao ambão e nos confidenciou a vontade do Pe. Rodrigo de ser cremado na Quinta do Conde, para que o fumo se pudesse dirigir para a Serra da Arrábida, o seu lugar privilegiado de encontro com Deus; e o cântico final, no qual pudemos escutar, com a melodia que compôs para a cantora Teresa Salgueiro, um belíssimo poema de Frei Agostinho da Cruz.
Nestes dois momentos, apresentaram-se-me as razões pelas quais nos aproximámos.
Na realidade, foi ele quem se aproximou, ao marcar presença no lançamento de um despretensioso opúsculo meu, o meu primeiro ensaio sobre a espiritualidade da Arrábida, intitulado “O Eixo e a Árvore: notas sobre a sacralização do território arrábido” (Apenas Livros, 2014). Prontamente me desafiou.
Era um homem que puxava pelo melhor de nós! Seguiram-se formações sobre a Arrábida, colóquios sobre a Arrábida, concertos em torno da Arrábida… Não mais me deixou quieto.
Era assim. Memorável foi a ocasião em que me levou a palestrar na igreja da Misericórdia de Sesimbra, aos pés do “meu” Senhor das Chagas, ladeado por Maria Barroso (que leu poemas) e por Teresa Salgueiro (que cantou).
Comovente, o dia em que levou ao mesmo lugar Rão Kyao, com as suas flautas, em diálogo com outro orador.
Encheu-se de pena quando a falta de apoio dos municípios fez gorar o nosso projeto “Arrábida Sacra”, mas marchámos em frente…
Não fosse ele, nunca teria enviado à Diocese um email em que a lembrei do centenário de Frei Agostinho da Cruz, email esse que geraria dois anos e meio de comemorações, sob orientação minha, com uma vasta programação, as quais deixaram ao futuro a edição de quatro livros (uma antologia do poeta, um volume com 18 poemas inéditos seus, um livro com a conferência do Cardeal José Tolentino Mendonça e o catálogo da exposição “Frei Agostinho e a Espiritualidade Arrábida”).
Por incrível que possa parecer, tudo teve início numa tarde em Setúbal, na qual o Pe. Rodrigo me desafiou e cativou, com o seu habitual sorriso… E eu não resisti.
Homem atento e culto, como poucos entre aqueles que o deveriam ser bem mais, congregava à sua volta gente que o estimava e admirava por essa vertente de abertura ao outro e às suas circunstâncias.
Era um pastor para quem a cultura e o culto não estavam nem poderiam estar separados. Quem isto não entender, entende muito pouco…
Obrigado, Pe. Rodrigo, pelo bem que fez e pelos desafios que nos foi colocando.
No inefável lugar onde agora está, vá metendo umas cunhas por nós que aqui ficamos. São as únicas cunhas que se podem admitir… e bem precisamos delas.
Entretanto, cá pela terra, tentaremos aprender com o seu exemplo.
Ruy Ventura, Pastoral da Cultura da Diocese de Setúbal, Imagem: P. Rodrigo Mendes | Imagem: Rosário Alves, Publicado em 13.11.2023