Mulheres no (meu) Mundo

 Mulheres no (meu) Mundo

Algumas destas mulheres abalaram o meu mundo.

Durante uma semana, numa breve estadia no Reino Unido, cruzei-me com duas jovens sauditas. Estavam perfeitamente trajadas com as roupas tradicionais do seu país; tinham sempre os seus rostos tapados. Frequentávamos a mesma escola em Liverpool, éramos colegas de turma. Na altura estas miúdas com menos de 25 anos eram casadas, mães de dois ou três filhos, e – mais tarde percebi – privadas de liberdade. À saída da escola, os maridos ou outros familiares do sexo masculino esperavam-nas religiosamente. Nos escassos minutos que tínhamos nos corredores fazíamos confidencias e matávamos curiosidades. Eu fui a primeira mulher ocidental a quem puderam fazer as suas perguntas, de forma livre e sem julgamentos. No final daquela semana mostraram-me os seus rostos. Foi um sinal de confiança que perdura até hoje.

Noutra geografia, agora em contexto profissional e desta vez no México, deparei-me com mais duas histórias igualmente marcantes. Era domingo e saí da cidade de Guadajalara para fazer uma breve visita a uma vila próxima. O dia estava húmido, chuviscava e eu tinha de apanhar um autocarro. Ali ao lado da paragem, duas mulheres na sua pequena casa de madeira preparavam tortillas num exíguo forno a lenha. Tinham as mãos bem calejadas do trabalho. Com um sorriso nos lábios, ofereceram-me uma tortilla e uma caneca de café. Sentei-me ao lado delas. Tinham tão pouco e partilharam. Aquele ato de generosidade ficou gravado na minha memória.

Uns dias depois, ainda no México sobravam uns materiais das reuniões e não os conseguíamos trazer de volta para Portugal – entre eles estavam uns copos de vidro básicos. Cruzei-me com uma jovem que limpava aquele espaço e perguntei se alguma daquelas coisas lhe interessava. Disse-me que sim e começou a chorar. Soube mais tarde que era a primeira vez que tinha uns copos de vidro.

A caminho do deserto do Sahara, próxima da fronteira militarizada entre Marrocos e a Argélia, avistavam-se famílias nómadas – Bérberes, julgo eu – que, com poucos recursos, seguiam viagem acompanhadas dos seus animais. Nestas longas viagens, muitas mulheres carregavam as crianças ao colo, num cenário incompreensível quando a menos de 1.000 km se discutem temas como a digitalização… Em outros contextos, marcaram-me os rostos aparentemente frios das idosas asiáticas, sobretudo das chinesas, que depois de uns minutos esboçavam os seus bonitos sorrisos; a alegria das italianas, a beleza das cabo-verdianas ou o apoio constante das albanesas.

Por cá, em plena pandemia e depois de um incêndio sem adjetivos qualificáveis cruzei-me com uma senhora numa aldeia de Proença. Na madrugada anterior, tinha ardido tudo em redor da sua casa e o fogo continuava a lavrar a poucos quilómetros. Os bombeiros exaustos vigiavam os possíveis reacendimentos naquela aldeia. Aquela senhora que quase perdeu tudo na noite anterior preparou um pequeno lanche e água fresca para todos. No meio daquele cenário desolador, a senhora sorria enquanto agradecia aos bombeiros.

Num contexto muito pessoal, as duas pequenas mulheres do meu Mundo couberam-me nos braços durante quase vinte anos. No meio das suas limitações físicas irreversíveis e do seu curto período de vida deixaram uma marca inigualável de amor, de afeto e de resiliência.

Todas mulheres. Todas tinham em comum um sorriso estampado no rosto. Todas elas com vidas difíceis, marcaram, moldaram, inspiraram a minha existência. Independentemente do contexto, da nacionalidade, da classe social, da escolaridade ou da profissão – nestes anos 20 do séc. XXI – o meu sincero respeito por todas as mulheres e por todos os homens que potenciam o papel de afirmação delas no Mundo.

*Catarina da Encarnação Dias (Vereadora na Câmara Municipal de Proença-a-Nova)

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