Menos-valia & Mais-valia

 Menos-valia & Mais-valia
J. B. Teixeira – Jornalista

Se considerarmos que em meados do século XIX os navios negreiros ainda percorriam os sete mares, fomentando uma das maiores chagas da história humana, deve-se admitir que o mundo já foi muito, mas muito pior. Por que razão não reconhecemos isto?

Não fosse o imenso poderio militar de algumas nações, dotadas de armas nucleares dignas do Armagedon, capazes de nos reduzirem a pó em poucas horas, possivelmente admitiríamos com mais facilidade que a humanidade evoluiu.

Provavelmente é esta sinistra pulga atrás da orelha, denominada capacidade de autodestruição, que nos exaure o sangue do otimismo.

Acho surpreendente que o assunto do tráfico negreiro não mereça normalmente maior atenção, ou um tratamento histórico mais honesto. No caso do Brasil, sobram acusações contra o Império, ao mesmo tempo em que faltam estudos sobre quem dominava o tráfico marítimo.

Um estudo recente, denominado “A participação dos países da Europa e das Américas no tráfico transatlântico de escravos”, de David Eltis, Stephen Behrendt e David Richardson, utiliza informações do “Banco de dados sobre o tráfico transatlântico de escravos”, do Instituto W.E.B. Du Bois, da Universidade de Harvard, e lança alguma luz sobre o assunto.

Segundo os autores mencionados, há um certo consenso de que aproximadamente doze milhões de escravos tenham sido embarcados no tráfico atlântico, e algo entre quinze e vinte por cento dos mesmos tenham morrido na travessia.

Os dados colimados informam que entre 1527 e 1867, mais de quarenta por cento das viagens negreiras foram efetuadas por embarcações inglesas contra algo em torno de vinte e seis por cento de embarcações lusobrasileiras.

O fato de nossos ancestrais terem menor participação naturalmente não os isenta do crime, mas tem o condão de uma vez mais desmascarar o fleugma inglês, a mostrar que homens com gestos afetados e ares nobres também podem ser grandes desalmados. A hipocrisia corre solta.

Quase no final da primeira metade do século XIX, época portanto na qual a escravidão ainda era uma pavorosa realidade, Marx e Engels lançaram seu Manifesto Comunista e o termo mais-valia ganhou o mundo.

Base do lucro no capitalismo, a mais-valia seria a diferença entre o valor da mercadoria e a soma dos valores da produção e do trabalho. Como conceito, é algo trivial, mas a carga psicológica com que foi lançado passou a ser na relação capital-trabalho um divisor de águas.

É compreensível, num tempo em que a escravidão ainda existia, que alguém a partir de então se referisse à mais-valia de forma inevitavelmente agressiva, acusando intrinsecamente os capitalistas de exploradores, gananciosos, usurpadores, proxenetas do esforço alheio e aí por diante.

Ainda hoje, porém, a despeito do fracasso do socialismo real, um monstro político que gerou muito mais lágrimas que as que pretendia enxugar, subsistem os que creem que o comunismo é a panaceia humana e que os capitalistas não passam de homens sórdidos.

Líderes políticos e movimentos sindicais têm e tiveram importância histórica para cercear a ganância e o egoísmo – traços estes infelizmente tão presentes nos instintos humanos,- mas em determinados momentos também deram grandes contribuições negativas, forjando discursos desequilibrados e rancorosos, esquecidos de que sem empresas não há produção de riqueza.

Há quem pense que nos últimos anos, fomentado por pregações demagógicas de alguns dirigentes, deu-se o agravamento das relações sociais, trazendo de volta discursos arcaicos. Quem sabe seja tempo de revisitar o conceito de menos-valia, antípoda histórico da mais-valia.

Seriam bons exemplos de geração de menos-valia as horas gastas por funcionários com assuntos pessoais, atendendo ligações privadas, surfando na internet em horário de trabalho, batendo papo furado, ocupando-se de assuntos estranhos ao trabalho ou mesmo causando prejuízos por conta de desatenção, displicência ou desídia.

Os que tanto apedrejam a iniciativa privada, e lançam mão do conceito da mais-valia, poderiam então explicar o que deve fazer um empresário diante da menos-valia. Ou o que fazer quando amarga prejuízos, ao invés de lucros.

Os que tanto criticam a iniciativa privada deveriam ter a oportunidade e a coragem de montar um empreendimento e colocar em prática as ideias que advogam. Seriam então colocados à prova e teriam a chance ímpar de se mostrarem coerentes.

Por ora, quando precisamos muito dos empreendedores, o que temos é uma situação de desconfiança e uma justiça do trabalho que aprofunda o fosso, tratando o empresário como um bandido e o funcionário como um coitadinho.

Como se respirássemos a mesma realidade escravocrata do século XIX. É uma pena.

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