Ventos supersónicos extremos medidos em planeta fora do nosso Sistema Solar
Louise Glück: Acreditar em algo sem fim
Morreu a 13 de outubro, aos oitenta anos, na sua casa de Cambridge, no Massachusetts, Louise Glück.
A poetisa norte-americana, distinguida com o prémio Nobel da Literatura (2020), estava doente com cancro. Nascida em Nova Iorque, numa família de imigrantes judeus húngaros, publicou doze antologias de poesia.
Foi a própria autora, na sequência do reconhecimento de Estocolmo, a sugerir aos leitores que partissem, para a conhecerem ou redescobri-la, «não do seu primeiro livro» (“Firstborn”, 1968), mas de “Averno” (2006), em que canta a solidão e o terror pelo desconhecido juntamente com o amor e o esplendor da noite: quando tudo está perdido, pode acontecer escutar-se música de uma janela aberta, numa manhã de neve, e então é assim que uma pessoa se pode reconciliar com o mundo.
O mundo e a natureza, precisamente. Os versos de Louise Glück deles colhem toda a beleza e o poder de curar os males da alma:
«Hoje, pela primeira vez em muitos anos, surgiu-me de novo uma visão do esplendor da terra: no céu do entardecer a primeira estrela pareceu tornar-se mais brilhante enquanto a terra escurecia até já não poder ficar mais escura. E a luz, que era a luz da morte, pareceu devolver à terra o seu poder de consolo. Não havia outras estrelas. Apenas aquela cujo nome eu conhecia pois na minha outra vida a fendera: Vénus, estrela da tarde, a ti dedico a minha visão, já que nesta superfície vazia derramaste luz suficiente para tornar o meu pensamento de novo visível»,
escreve em “A estrela da tarde”, que se encontra em “Averno” (trad. Inês Dias, ed. Relógio D’Água, 2020).
Deste modo Glück interroga-se sobre o mistério do que a rodeia. E também o faz na recolha “A íris selvagem” (1992, ed. Relógio D’Água, 2020), onde toda a flor tem a sua voz e indaga-se, não apenas sobre a morte e sobre a caducidade do tempo, mas também sobre a relação entre Deus e a Criação.
Porque por trás do som do vento que agita um campo de margaridas ou de um rebento de rosa que começa a abrir-se deve haver algo de maior.
A poetisa, vencedora do prémio Pulitzer em 1993 com este “A íris selvagem”, bem como do National Book Award, com “Noite virtuosa e fiel” (2014, ed. Relógio D’Água, 2021), amava, não por acaso, o Vermont, estado no nordeste dos EUA, com o murmúrio das folhas que caem no outono, com o silêncio das paisagens embranquecidas.
«Vou comprar uma casa no Vermont», foi o seu comentário após ter recebido a notícia da escolha do Nobel. Uma casa, melhor, um lugar, que terá significado muito: foi precisamente aí que Glück conseguiu superar um longo período caracterizado pelo denominado “bloqueio do escritor”.
Na sua poética, todavia, não há só a natureza. Há a ligação com o pai e a dor sofrida pela sua morte no personalíssimo “Ararat” (1990), há os temas da consciência, da infância, dos mitos e dos motivos clássicos.
Não é fortuito que as suas poesias ecoem referências a Dido, Perséfone e Eurídice: vozes de mulheres, mas sobretudo de traídas, punidas, abandonadas. Daqui, através das suas palavras, o convite a reerguerem-se:
Sabeis o que eu era, como vivia? Sabeis o que o desespero é; então o inverno deverá ter significado para vós Não esperava sobreviver, com a terra que me suprimia. Não esperava acordar outra vez, sentir o meu corpo na terra húmida capaz de responder de novo, recordando depois de tanto tempo como abrir-se outra vez na luz fria da primavera precoce assustada, sim, mas de novo entre vós chorando sim arriscando a alegria no vento cru do novo mundo»,
lê-se em “Flocos de neve”, do livro “A íris selvagem”.
Professora nas universidades de Yale e Stanford, Louise Glück interrogou-se sempre sobre a importância da poesia, dos poetas.
Aos seis anos, por exemplo, permaneceu acordada até tarde – narrou durante a entrega do Nobel em Estocolmo – para discutir consigo própria qual seria «a poesia mais bela do mundo», sem conseguir decidir entre “The little black boy”, de William Blake, e “Swanee river”, de Stephen Foster.
Por fim, venceu Blake. Todavia, não é importante sublinhar este ponto, antes, sobretudo, como a poetisa, a par de Blake, Foster, Emily Dickinson, Sylvia Plath e muitíssimos outros faróis da literatura, viveu através dos seus versos, tornando-se «uma inconfundível voz poética que com beleza austera torna universal a existência individual», como refere a motivação da Academia sueca.
O seu rasto permanecerá para sempre. Para além dos verões, como sugerem as primeiras poesias de “Averno”, que terminam demasiado cedo, e para além das tréguas dos invernos que são demasiado breves.
«O olho habitua-se às desaparições. Não serás poupada, nem o que amas será poupado Veio um vento e passou, desmontando a mente; deixou no seu rasto uma estranha lucidez. Quão privilegiada és, para apaixonadamente te agarrares ao que amas; a perda da esperança não te destruiu. “Maestoso, doloroso”: Esta é a luz do outono; voltou-se para nós. Certamente é um privilégio aproximar-se do fim acreditando ainda em algo».
*Enrica Riera, In L’Osservatore Romano, Trad.: Rui Jorge Martins, Imagem: Louise Glück | Wikipedia, Publicado em 15.10.2023