Heróis sem capa

 Heróis sem capa

Paulo Alves, Hugo Martins, César Lourenço, Eurico Martins, David Mendonça e Filipe Nunes são os seis bombeiros que viveram mais de perto os acidentes, nos incêndios florestais, registados neste último verão.

Como é que viveram e estão a viver todo este processo? O que é que os motiva a continuar a dar um pouco mais de si aos outros? Quem são estes heróis sem capa?

Conheça os testemunhos reais, e na primeira pessoa, dos seis bombeiros envolvidos nos acidentes deste verão.

Paulo Alves

A ocorrência que tivemos no dia 25 Julho marcou-me de forma definitiva e deixou cicatriz impossível de disfarçar. Fomos 5 e só regressámos 4.

Sensação de incapacidade perante o sucedido. Ficámos no local até ao último minuto a tentar resgatar o nosso colega em falta. Era um dos nossos! Excelente colega, amigo de todos. Decisão difícil de tomar, de aceitar, o ter que sair, fugir e deixar alguém para trás. Ninguém merece! Não merecia o Diogo, não merecia a equipe do qual fazíamos todos parte.

Paulo Alves
Foto: BV de Proença-a-Nova

Não podemos abandonar, temos espírito de missão. A população do nosso concelho, em particular, e dos restantes do país precisa de ter os seus bombeiros motivados, presentes e disponíveis. O acidente que originou a perda de um amigo, que feriu outros não pode ganhar! Não pode ter sido em vão. Admito que o “atirar a toalha ao chão” passou pela cabeça por um instante. Temos família, amigos em casa à nossa espera, mas com a velocidade que entrou, com a mesma velocidade saiu!

A sensação de perda existe, as lágrimas estão presentes. Mas temos que nos manter unidos para honrar os bombeiros feridos ou falecidos em combate na generalidade e o Diogo em particular. Temos que fazer o que o Diogo faria se estivesse fisicamente connosco. Está no nosso pensamento, está no nosso dia-a-dia, estamos juntos!

Hugo Martins

Estou a viver com alguma naturalidade. Sou Bombeiro há 30 anos e ao longo do tempo vamos tendo a perceção que algo pode acontecer, que infelizmente não acontece só aos outros.

Consequente, será sempre um dano colateral e não podemos estar focados nesses contratempos. Poderia ser melhor, poderia ser pior, o importante é encarar isso com naturalidade.

Hugo Martins
Foto: BV de Proença-a-Nova

A minha maior motivação é o orgulho e o gosto que sinto em fazer parte desta instituição. Podendo ainda praticar e ensinar os valores que a instituição representa no seio da comunidade.

César Lourenço

Ainda um pouco triste e pensativo por todo o azar que a corporação de Bombeiros Voluntários de Proença-a-Nova teve este verão de 2020.

Estou a recuperar a nível físico e mental com a esperança e confiança de que sairemos mais fortes e unidos após estes eventos trágicos que tanto mexem com todos nós.

César Lourenço
Foto: BV de Proença-a-Nova

O que me leva a continuar? Todas as razões que me fizeram inscrever nos Bombeiros Voluntários de Proença-a-Nova: ajudar os nossos e quem mais precisa, proteger a nossa floresta, porque ela é um orgulho e riqueza para todo o concelho, e fazer parte desta família de camaradas que dão a vida diariamente pelos outros e continuar a aprender e a evoluir como Bombeiro e como ser humano.

Eurico Martins

Um dos grandes fogos que combatemos foi o de dia 25 de julho, que começou no concelho de Oleiros e alastrou, chegando mesmo ao nosso concelho. Nesse combate perdemos um elemento da nossa família do corpo de bombeiros, o Diogo Dias, e ainda ficou registado os ferimentos de mais três colegas, o Filipe, o David e o César. A dor era enorme e as palavras substituíram-se por lágrimas ao saber o sucedido. Largamos tudo o que estávamos a fazer para substituir essas lágrimas por uma força ainda maior para vencer aquele terrível incêndio.

Ninguém desistiu, continuamos na linha da frente em combate. Vencemos esse fogo, mas sabíamos que não era o último, estávamos apenas no final de julho e pelo menos dois meses teríamos ainda de trabalho. Não baixamos a cabeça, fomos em frente!

Eurico Martins
Foto: BV de Proença-a-Nova

Um fim de semana cheio de calor e com bastante vento trouxe nos aquele que foi um dos maiores incêndios da Europa, mas, desta vez começou aqui no nosso concelho. Foi nesse incêndio que poderia ter acontecido novamente o pior e com a ajuda do vento, este incêndio tornou se bastante perigoso e duas das nossas equipas foram apanhadas por ele. Além de três viaturas de combate a incêndios já perdidas nestes incêndios, ainda houve mais 2 feridos graves a registar, sendo eu, um deles, e o Hugo Martins.

Fomos atraiçoados por uma repentina mudança de ventos em que em poucos segundos ficamos cercados pelo incêndio, com chamas a bater na viatura em todos os lados, tentámos sair o mais rápido possível daquele inferno, o que conseguimos ao a viatura ficar imobilizada já em zona queimada.

Depois de abandonarmos a viatura e fugirmos para locais seguros, é que me apercebi de queimaduras nas mãos e na cara. Fomos retirados do local por uma viatura de comando que nos transportou até ao campo de futebol da Sobreira Formosa, visto já haver informação de dois helicópteros do INEM a caminho do local.

Populares ajudaram-me num primeiro socorro (hidratação das queimaduras com água), até aparecer a primeira ambulância. A partir daí, desenrolou-se o socorro a mim e ao Hugo, sendo transportados para o hospital universitário de Coimbra, fomos encaminhados para os serviços de especialidade, eu para a unidade de queimados onde estive internado duas semanas e meia.

Após vários tratamentos e cirurgias, regressei a casa (no dia 29 de setembro) e fui recebido no quartel por todos os camaradas (quadro de comando, corpo ativo e direção). Graças a esta receção, já publicada nas redes sociais e imprensa, ganho ainda mais força para não desistir e continuar a lutar por esta causa em prol da população.

Neste momento encontro-me em consultas de rotina e a fazer recuperação com fisioterapia, aguardando um regresso em breve. Agradeço ainda por toda a força que me foi dada e comunicada durante este período.

David Mendonça

O dia 25 de julho, foi um dia que me marcou bastante pela perda do nosso camarada Diogo. Esse dia foi complicado a nível psicológico e físico.

David Mendonça
Foto: BV de Proença-a-Nova

É um dia que vai ficar marcado devido à perda do nosso camarada. Felizmente pude e posso contar com o apoio da família, amigos e camaradas dos Bombeiros a passar os momentos mais difíceis.

O que me motiva a continuar a dar mais de mim à população é saber que estou a dar o melhor de mim e no final de cada serviço receber um sorriso ou um obrigado pelo apoio/socorro prestado.

É a melhor gratidão que posso receber. É isso que me faz melhorar e motiva-me dia após dia.

Filipe Nunes

Neste momento a situação está um pouco mais estável, tanto a nível emocional como psicológico.

Filipe Nunes
Foto: BV de Proença-a-Nova

Foi uma situação muito complicada, pois nunca estamos à espera que as coisas aconteçam connosco. Foram dias muito difíceis, foi uma perda enorme a do Diogo.

Um sentimento de impotência e revolta, pois não se está preparado para estes acidentes pelo mais forte que sejamos. Tem se conseguido ultrapassar com a ajuda da família, os próprios camaradas dos Bombeiros e os amigos que têm sido muito importantes.

Eu estou e continuo motivado para trabalhar e ajudar a causa, pois faço o que mais gosto. A maior satisfação é sentir que somos úteis a ajudar a população nas várias vertentes de socorro.

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