Entrevista: “Tenho clientes que choram com medo que os deixe”

 Entrevista: “Tenho clientes que choram com medo que os deixe”

Natural da freguesia do Peral Manuel é um dos poucos vendedores ambulantes que percorrerem o concelho de Proença-a-Nova. Ligado desde sempre ao comércio, Manuel nunca teve medo do trabalho. Hoje além de um suplemento, que o faz ocupar os seus dias, vê no seu trabalho uma grande ajuda para muitos dos proencenses que vivem longe do centro do concelho. Manuel está hoje na grande entrevista do Jornal de Proença. 

Jornal de Proença (JP) – Para quem não o conhece, quem é o Senhor Manuel? 

Manuel (M) – Sou nascido aqui nesta terra. De sete filhos eu sou o 6º. Quando o meu pai construiu aqui a padaria, fui eu o primeiro a nascer aqui. Na altura como o meu pai tinha a padaria a minha alcunha era o “Manel Padeiro”. Por aqui fui crescendo, fui à tropa, casei aqui no Peral e fui fazendo a vida aqui no campo juntamente com o meu pai. Na altura disse ao meu pai que para eu continuar com a padaria tínhamos que modificar algumas coisas e modernizar a forma como fazíamos o pão. O meu pai disse que não e eu na altura decidi ir embora. Só não fui porque a minha irmã me convenceu a ficar, mas ao longo dos tempos fui vendo que isto não era vida para mim. 

JP – E durante todo esse processo o que é que fazia profissionalmente? 

M – Trabalhava no campo, cuidava das fazendas até sair daqui aos 32 anos. 

JP – Então acabou mesmo por sair. O que é que o levou a sair? 

M – Olhe na verdade desentendi-me com o meu pai. Houve um dia em que apareceu aí uma pessoa para eu ir para Castelo Branco trabalhar e eu fui. Comecei a trabalhar num poço para um senhor. Esse senhor, que trabalhava no Ministério da agricultura e pescas, engraçou comigo e prometeu-me um trabalho em Alcains. A partir daí nunca mais alinhei nas tarefas do meu pai porque tínhamos visões diferentes. Fui trabalhar também para um matador. E ainda estive numa escola em Vila Velha. 

JP – Esteve quanto tempo fora? 

M- Quinze anos no matador, mas a trabalhar sempre em comércio de porta em porta.  

JP- Então o comércio sempre foi uma área que esteve ligada à sua vida? 

M – Sim, tanto o meu pai como o meu sogro também na altura já tinham comércio. 

JP – Depois dessas vivências todas que já contou e regressado a casa, mesmo já reformado, nunca parou e prova disso é o trabalho que faz hoje como vendedor ambulante. Como é que surgiu esta atividade nesta fase da sua vida? 

M – Começou tudo numa brincadeira. Fui a um casamento comprei uma carrada de melão e aquilo vendeu-se tudo muito bem. No início vendi tudo, mas não tinha documentação nenhuma. Foi então que resolvi ir à Câmara tratar dos papeis para conseguir ter todas as licenças necessárias para as vendas. E tudo começou até aos dias de hoje. E posso dizer que durante estes anos todos vendi muito e criei muitos amigos. E os amigos que me ensinaram e me deram a alma para esta tarefa foi os alunos do tempo em que estive na escola.  

JP – E como é que fazia? Tinha as suas voltas sempre certas ou saía sem rumo e ia vendendo? 

M- As voltas eram certas e ainda hoje as mantenho, mas isto já está a começar a parar.  Eu aqui no concelho de Proença-a-Nova comecei a vender na Figueira até ao Sobral Fernandes, que é uma volta que vai acabar ao Perdigão. No concelho de Vila Velha, porque foi lá que comecei, tinha uma volta que começava na Sarrasqueira e ia acabar a Gardete. Depois tinha aos fins-de-semana na Murteirinha, Pedra do Altar, Vale Clérico, Esteves e uma ou outra localidade. 

JP- Olhando para esses tempos e para os tempos de agora acredito que tenha mudado muitas coisas. Quais são as principais diferenças que nota? 

M – Há tantas, mas tantas diferenças! Eu tinha terras onde parava cinco vezes e vendia nessa terra mais que eu vendo numa volta toda hoje. Não há pessoas! E na altura compravam mais porque não havia supermercados. Quando comecei não havia supermercados.  

JP – O supermercado veio abalar um pouco as vendas porta a porta?  

M – Sim, isto notou-se muito. Chegou a vir um autocarro do Jumbo aqui às freguesias buscar as pessoas para irem às compras. Mas depois chegaram à conclusão que as pessoas não iam lá comprar. Só iam no autocarro, mas não consumiam muito do supermercado.  

JP – A juntar aos supermercados, a falta de pessoas foi e acredito que seja outro grande drama. Mas mesmo assim tem conseguido manter-se até hoje. Qual tem sido a chave do sucesso? 

M – Foi o caminho que percorri. Eu fui criando amizades com as pessoas. 

JP – Aqui na zona é o único? 

M- Vem aí gente de outros lados, mas daqui de Proença penso que seja dos poucos. 

JP – Apesar das dificuldades. Acredito que o seu trabalho tenha aqui um papel importante porque percorre muitas aldeias, onde vivem pessoas que estão totalmente isoladas, e que se não fosse o seu trabalho teriam dificuldades de obter os produtos que vende. Que importância tem para si? 

M – Tenho clientes que até choram com medo que os deixe. Sinto um orgulho enorme! Nós sabemos que não há ninguém no mundo que consiga agradar a todas as pessoas, mas o caminho percorrido, com um bocadinho de honestidade, é a chave do sucesso. Tenho um sistema em que nunca fui bater à porta de ninguém, só com autorização das pessoas: chego, toco a buzina e quem quer compra quem não quer não compra. As pessoas nunca me viraram as costas. 

JP – Tem 76 anos como é que olha para o futuro? 

M – Eu já disse em muitas terras, enquanto houver aqui pessoas, nem que seja apenas uma, eu estou cá. Vou à Ladeira de Rodão só por uma pessoa. O meu futuro está arrumado, mas vou lutar até ao fim.  

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