Entrevista: “Quero ser cientista”

 Entrevista: “Quero ser cientista”

Defesa da tese

Dina Pereira Alves Farinha, natural de Proença-a-Nova, da aldeia de Malhadal, defendeu a tese de doutoramento no dia 24 de abril 2023. O Jornal de Proença foi ao seu encontro na sua casa em Malhadal e registamos o diálogo mantido.

Jornal Proença (JP) – O tema da sua tese é: Uma nova formulação de nanopartículas para aplicação combinada de terapia genética e quimioterapia ao carcinoma hepatocelular. O que significa isto?

Dina – A ideia é desenvolver uma formulação, um sistema, que permita transportar fármacos e material genético especificamente para o carcinoma; essa formulação seria como um carro com GPS que vai direto às células do hepatocarcinoma, às células más do cancro do fígado, transportando a medicação, não afetando as células saudáveis e minimizando os efeitos da quimioterapia.

Dina Pereira Alves Farinha

O projeto consiste não só em transportar eficazmente os fármacos mas também levar material genético para melhorar o efeito da quimioterapia. A ideia foi combinar as duas situações.

Nas células cancerígena, as proteínas são essenciais para matar a célula. Porém, quando a célula má deve morrer, as proteínas são inibidas, ou seja, deixam de ser produzidas. Então, o que eu fiz foi levar à célula um gene que permita transportar e produzir essa proteína. Essa proteína em falta na célula doente é essencial para aumentar os níveis de resposta à quimioterapia. E consegui!

Porém, até ser aplicado na clínica ainda há muito caminho a fazer.

Este estudo é o fim de uma etapa e uma porta aberta para novos caminhos. Que perspectivas e que portas se abrem com ele?

Este estudo tem várias etapas. Em primeiro lugar, aconteceu o desenvolvimento de uma formulação: linhas celulares, células que são cultivadas num frasco e em culturas 3D que é uma espécie de bolinhas de esferas tumorais. Depois deverá ser testado in vivo, em ratinhos, em camundongos e, depois de um longo trabalho ainda por desenvolver, chegará ao ser humano. É o início apenas.

O que é que eu mais gozo neste trabalho?

Desenvolver uma coisa nova. Deu muito trabalho, mas depois de chegar ao final e ter uma coisa que até funciona minimamente… é como se nós fôssemos um bocadinho Deus. Fazer uma coisa que nunca ninguém desenvolveu, que nunca ninguém testou é como “brincar a ser Deus”.

Na tua área de investigação podias ter escolhido outras coisas mas porque é que escolheste esta?

Quando acabei a licenciatura e fui para o mestrado, trabalhei nesta área do hepatocarcinoma, no desenvolvimento de nanosistemas para transporte de fármacos e materiais genéticos. Quando pensei no doutoramento, propus-me aprimorar o que já tinha desenvolvido no estágio do mestrado.

Ao realizares este estudo, estás consciente podes melhorar a vida de muitas pessoas?

É nessa perspetiva que nós cientistas trabalhamos: acrescentar alguma coisa que, futuramente, possa ser útil a alguém. Por exemplo, nas vacinas para o covid, ninguém imagina o trabalho de muitas pessoas que estão a investigar constantemente, algumas já morreram, e tudo isso permitiu que, em pouco tempo, se desenvolvesse uma vacina. Há um trabalho por detrás de cada formulação desenvolvida que permitiu responder, em tempo recorde, a uma catástrofe.

Neste percurso académico porquê investigação? O que é que motivou?

É curiosa essa pergunta. Quando andava na escola, no primeiro ano, aqui no Malhadal, quando me perguntaram o que queria ser quando fosse grande, eu disse queria ser cientista. É estranho, mas sempre foi um sonho. Muito difícil. Um curso muito difícil e trabalhoso, com muitos percalços pelo caminho, principalmente nesta última fase. É o concretizar de um sonho. Eu sempre tive a ideia de ser aquele “ratinho” de laboratório que está lá, não a trabalhar diretamente com pessoas, mas em prol das pessoas.

E Agora?

Agora… fazer ciência em Portugal é complicado; é muito precário; não se tem é estabilidade…

Vais ensinar o que aprendeste vou continuar a investigar?

Durante esta investigação, já experimentei essa parte de ensinar: já tive alunos de mestrado e de licenciatura, que recebemos no laboratório, e aos quais vamos passando conhecimento, mas onde me vejo é no laboratório, o meu o habitat natural. Contudo, começo a ter uma certa idade e a estabilidade económica não é muita, porque nós, investigadores, vivemos à base de bolsas…  é então aí começam a pesar outras soluções.

Um doutoramento custa muito dinheiro. Que dificuldades?

É muito mais fácil quando uma pessoa tem uns pais ou familiares mais abonados. Eu fui sempre bolseira. Além das dificuldades da rendas, transportes… há dificuldades noutras áreas, por exemplo, a ciência é muito ir a congressos dentro e fora do país e, às vezes, o facto de não haver tanto dinheiro limita-nos na possibilidade de ir aprender novas coisas e também passar os nossos conhecimentos a outras pessoas.

Como vês a investigação em Portugal?

É preciso gostar muito. Entre investigadores, costumamos dizer que isto é a escravatura do século XXI: nós temos uma bolsa; é como se não trabalhássemos; basicamente eu não faço descontos para reforma; se tiver um acidente ou precisar de ficar de baixa médica, recebo, no máximo 200 EUR por mês; é muito mau! Ultimamente, houve algumas alterações como os contratos para Doutores. Ainda assim, há uma falta de investimento que é fundamental que é a ciência. Nem sempre os estudos científicos têm retorno imediato. A ciência constrói-se constantemente com os diversos estudos que vão sendo apresentados. Se os cientistas pararem não se nota o seu impacto no imediato dos dias. Acho que é por isso que não nos dão valor. Nós somos pessoas muito mal pagas e mal entendidas, porque vivemos de uma bolsa durante 6 meses e, no final, não se tem subsídio de desemprego…  ou esperas por outra bolsa ou começas novo projeto. É preciso gostar muito ou então ter alguém que financie.

Já sentiste a tentação de sair do país?

Eu gosto muito de Portugal. Não sei se o meu gosto pela ciência é tão grande que me arraste para fora de Portugal. Eu sou muito agarrada à minha família, ao meu cantinho (habitação de família em Malhadal) onde encontro refúgio e paz.

Sabemos que o teu pai faleceu enquanto preparavas apresentação do trabalho final. Como foi viver tudo isso?

Foi muito complicado. Experimentei uma sensação de impotência tremenda. Como cientista, supostamente estou a tentar ajudar outras pessoas e não consegui ajudar o meu pai. É frustrante. Ele acabou por falecer no dia 14 de dezembro eu tive que apresentar o trabalho até dia 24 de dezembro de 2022. Quando cheguei a casa no dia da sepultura do meu pai, tive que me agarrar ao trabalho e, só depois de o entregar, comecei a fazer o luto. Foi duro.

Um conselho para futuros cientistas.

Na defesa da minha tese também me fizeram essa pergunta ao que respondi «nunca desistam a primeira; ser resiliente; estar seguro do que querem». Há muitos dias na ciência que correm mal, mas no dia que correm bem a alegria supera todos os outros momentos menos bons.

Ser cientista é um trabalho de equipa?

Ainda que a tese seja minha, tem por trás o trabalho do meu orientador e dos meus colegas de laboratório que me ajudam a discutir as técnicas, analisar os resultados obtidos e a considerar perspetivas diferentes sobre o que está a ser feito.

Sabemos que trabalhas na agricultura quando vens ao Malhadal. Em que medida a agricultura tem influência no teu trabalho Científico?

Eu tive uma ideia para um projeto: quando o meu avô estava com problemas de próstata, a minha avó fazia um chá de umas ervas do campo para o meu avô. Eu levei essas plantas para analisar em laboratório e, de facto, vi potencial curativo nelas. Aquela planta não está explorada cientificamente, mas os seus compostos aplicados às células cancerígenas tem efeito positivo, matam. Falta saber cientificamente que tipo de compostos são. Quais os compostos bons a reter e os compostos a abandonar. De que forma poderia ser um complemento à quimioterapia. Algumas coisas que nós temos por aqui na agricultura da aldeia, que não damos valor nenhum, poderão ser úteis para a ciência. Há muita coisa por explorar. Agora com o doutoramento, talvez possa surgir um projeto financiado que concilie estes dois mundos: agricultura e ciência.

Obrigado Dra Dina pelo seu testemunho, simplicidade e trabalho. Desejamos-te muitos êxitos para o teu trabalho que ajudará, no futuro, muitas pessoas.

Para si... Sugerimos também...

Deixe o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Subscreva a nossa newsletter